Zac Efron se supera em 'Garra de Ferro', mas é sabotado por roteiro irregular
Na longínqua década de 80, uma família reinou na luta-livre, numa época em que o WWE ainda não existia. Trata-se dos Von Erich, cujo patriarca, Fritz (Holt McCallany, de Jack Reacher – Sem Retorno), passou toda a carreira perseguindo um cinturão que nunca esteve acessível, na verdade. Essa frustração é passada adiante a ponto de se transformar numa obsessão familiar, o que talvez justifique o rigor e a intransigência do velho Fritz para com seus quatro filhos. Kevin (Zac Efron, cada vez mais distante de High School Musical) é o mais velho e, portanto, o favorito do pai, embora ouça vez por outra que “o ranking pode mudar a qualquer momento”, como se a dedicação fosse uma métrica para definir qual rebento merece mais atenção.
Assumindo o papel de narrador ocasional, Kevin é alçado ao protagonismo logo depois da sequência em preto e branco que resume os gloriosos tempos do pai nos ringues. É quando nos deparamos com uma transformação física impressionante da parte de Efron, daquelas que costumam encher os olhos dos votantes da Academia, mas não este ano (ao que parece, a imagem do colegial dançarino ainda paira sobre ele). O jovem ator está praticamente irreconhecível, como um amontoado de músculos prestes a explodirem.
A aparência, no entanto, é apenas um detalhe da performance oferecida por Zac Efron, intérprete que vem demonstrando evolução e comprometimento ao longo dos anos, escolhendo projetos gradativamente mais desafiadores, e basta observá-lo em O Rei do Show (2017) e Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal (2019). É ele quem tem as melhores oportunidades em Garra de Ferro, e, com o perdão do trocadilho, as agarra com unhas e dentes. Afinal de contas, Kevin é o mais sensível e consciente da família, tanto que é o único a reclamar dos métodos agressivos do pai à sua mãe, obtendo uma resposta reveladora (“isso é entre vocês, se precisar conversar, é para isso que servem os seus irmãos”). As pausas dramáticas, o olhar sofrido e a limitação dos movimentos, mostram um ator pronto.
Se Efron endossa Kevin como o melhor elemento do filme, o diretor e roteirista Sean Durkin aproveita para conceber mais uma história de família quebrada, uma espécie de sequência ‘espiritual’ de seu bom O Refúgio (2020), quando Jude Law interpretou um homem de família que mergulhou esposa e filhos numa espiral de loucura deflagrada por uma crise econômica. Já em Garra de Ferro, a pressão psicológica é fruto apenas da tradicional passagem de bastão entre pais e filhos, com o ‘bastão’ representando também suas inseguranças e frustrações.
McCallany faz de Fritz seu melhor papel em anos, deixando de lado os coadjuvantes e vilões que vem interpretando, mas esbarra num tempo de tela reduzido, um problema estranho se tratando de uma produção que ultrapassa duas horas e dez minutos de projeção. Esse desequilíbrio é sentido em outras áreas do roteiro, como a escalada fugaz de Pam (Lily James, de Baby Driver e O Destino de Uma Nação), que vai de fã à esposa num piscar de olhos. Unidimensional, a personagem inicialmente só parece existir para tirar as dúvidas dos não-familiarizados com a Luta Livre (nem parece que foi escrita pelo mesmo autor de Martha Marcy May Marlene), embora a linha tênue entre encenação e realidade, um clássico mistério desse esporte, permaneça borrada até o final. Aliás, as sequências de luta são bem conduzidas e o design de som merecia mais reconhecimento nessa temporada de premiações.
Se as minúcias do ‘Wrestling’ soam confusas para o espectador casual, o drama da família Von Erich é perfeitamente sublinhado por Sean Durkin ou até mais do que apenas ‘sublinhado’, eu diria. O canadense é até hábil ao colocar as cartas na mesa, estabelecendo motivações e consequências da dinâmica entre os jovens lutadores e o pai treinador, mas quando a ‘maldição’ da família entra em cena, seu script se converte numa sucessão de tragédias que deixa escapar sua vocação para o sensacionalismo. Quando o promissor Kerry (Jeremy Allen White, astro da série The Bear) finalmente colhe os frutos por ter deixado de ser uma promessa olímpica para entrar de cabeça na Luta, seus passos seguintes tornam-se previsíveis. Nesse ponto, a parca expressividade de White não o ajuda, principalmente nas cenas-chave do personagem, quando a demanda dramática não é correspondida.
Por outro lado, assim como Triângulo da Tristeza (2022) havia dado pistas, o jovem Harris Dickinson parece realmente decidido a se afastar das narrativas comerciais, se aproximando do Cinema de autor com coragem e até aptidão. Sim, pois aquele sujeito inexpressivo e inseguro que se embananava no fraquíssimo Mentes Sombrias (2018) já ficou no passado. Carismático, ele oferece um belo complemento como colega de cena de Efron, com quem nutre química e compartilha algumas das melhores cenas da produção.
Que no final das contas é irremediavelmente impactada por escolhas questionáveis de Durkin como realizador, seja por não conseguir administrar o tempo da história, ou por pesar a mão, entregando o terceiro ato a um melodrama que beira o ridículo em seus minutos finais, quando abraça a pieguice numa sequência que mais parece saída de um filme espírita de mau gosto. Uma pena, pois seu elenco merecia mais.
NOTA 6,5