"Vidas Duplas" e a inevitável transição para a modernidade
Olivier Assayas é o tipo de cineasta que mesmo em descanso é capaz de construir uma obra acima da média. Afinal, Vidas Duplas é tido pelo realizador francês como um filme descompromissado, um respiro entre projetos densos. Também, pudera, estamos falando do diretor de Personal Shopper, Acima das Nuvens (ambos com Kristen Stewart), Depois de Maio e a premiada minissérie Carlos. Todos feitos em sequência, vale ressaltar.
Escrito e dirigido pelo próprio Assayas, a trama aborda uma variedade de questões que sempre terminam num caloroso debate sobre o papel da tecnologia na sociedade. Enquanto Alain (Guillaume Canet) é um editor literário que se recusa a aceitar a transição de livros físicos para e-Books, sua esposa Selena (Juliette Binoche) é uma atriz consagrada que se mostra desconfortável com os papéis que recebe na indústria, invariavelmente tendo de atuar em produções escapistas, contrariando sua visão artística.
Entre casos extraconjugais e debates regados à vinho, a história de fato reflete o descompromisso bradado por Assayas, mas que se destaca pelo talento do cineasta em manter os diálogos na linha. Sobram críticas ao twitter e à crescente desvalorização da arte, que na visão classicista de Alain jamais deveria ceder à modernidade. Casais se confundem, se traem e agem como se nada tivesse acontecido. E não acontece mesmo, pois todos parecem cientes das traições, mas se colocam numa posição superior à situação. Aqui, são todos maduros o bastante para saberem que casos não são tão duráveis quanto um casamento e até reconhecem a infidelidade como forma de manter o interesse de casamentos duradouros.
Dessa forma, Assayas brinca com o espectador, tecendo uma teia perfeita onde os personagens se entrelaçam e desentrelaçam à nossa vista, nos distraindo com divagações espirituosas sobre a decadência representada por alguém disposto a atuar em Velozes e Furiosos por exemplo. Há, até mesmo, uma impagável brincadeira com Star Wars: O Despertar da Força, que só rivaliza com uma ácida piada envolvendo o alemão A Fita Branca (que retrata a ascensão do nazismo).
A câmera desleixada de Assayas mal se movimenta em cena, deixando que os atores canalizem cada segundo de nossa atenção. É possível notar uma preocupação com a escrita, verbalizada por um diálogo que profetiza o fim de minha amada profissão. “Por que confiar na opinião de um crítico se um algoritmo será capaz de recomendar exatamente o que queremos?”, indaga certo personagem, sem entender que ela mesma já respondeu.
No final, os personagens mal percebem que a comunicação do futuro, fadada à impessoalidade, jamais substituirá a boa e velha conversa à beira-mar ou aquela conversa alcoolizada até a madrugada. São momentos como esses, que precedem um trivial gesto de tirar 5 aparelhos eletrônicos da tomada, que recarregam nossas baterias e conduzem nossas relações.
NOTA 8
Comentários