Tórrido estudo de personagem, "Sebastian" não escapa dos clichês
*Filme visto durante o Festival do Rio 2024
Eu não conseguiria escrever sobre Sebastian sem lembrar do brasileiro Baby. Ambos tratam de jovens trabalhadores sexuais, se descobrindo enquanto tentam se manter numa metrópole. Coincidentemente, os dois foram exibidos nesta edição do Festival do Rio, com o longa de Marcelo Caetano se revelando superior.
Na trama de Sebastian, o escocês Max Williamson (vivido pelo italiano Ruaridh Mollica) vive em Londres pelo sonho de se tornar um escritor de sucesso. Enquanto isso, trabalha como freelancer de uma revista de sucesso. Se de dia é um jovem comum começando a vida por baixo, de noite ele é Sebastian, um trabalhador sexual bastante requisitado, mas se você pensa que ele exerce esse ofício apenas por dinheiro, saiba que o rapaz de 24 anos de idade utiliza os encontros noturnos (majoritariamente com homens mais velhos) como um laboratório para seus contos, onde se estabelece como o protagonista de uma tórrida série literária. Mas ele ainda precisa ser publicado e para isso também tem de continuar escalando a montanha do sucesso, já que o mundo literário é muito mais competitivo e traiçoeiro do que se pensa. Não fica claro exatamente o motivo que levou Max a escolher o trabalho sexual como matéria-prima de sua escrita. Sabemos, sim, que é queer e precisa lidar com um concorrente cis-hétero no trabalho para um dia atingir o patamar adequado para que seu livro chegue às prateleiras.
Sebastian é um espetáculo de um homem só, pelo menos até a chegada de Jonathan Hyde (para sempre o caçador do primeiro Jumanji), com quem Ruaridh Mollica constrói uma química tão forte que o filme engrandece sempre que os dois estão juntos. Mollica oferece uma performance sincera, até quando Max julga ter atingido um nível maior do que aquele onde realmente está. Nesses momentos, o protagonista é egoísta e extremamente arrogante, mas isso é um ponto positivo, já que torna complexo o personagem nesse arco de altos e baixos.
Por um lado, o enredo concebido pelo finlandês Mikko Mäkelä, também o diretor, é corajoso ao deixar lacunas a serem preenchidas pela atuação potente de Mollica. Por outro, deixa o espectador carente de explicações sobre o contexto envolvendo o protagonista. E quando finalmente as fornece, infelizmente, recai no lugar-comum dos filmes queer, pavimentando um caminho repleto de clichês a ser percorrido por Max, ironicamente cometendo o mesmo pecado evitado a todo custo pelo aspirante a escritor. Até a figura materna, exaustivamente explorada nesse filão, bate ponto no expediente de Mäkelä, surgindo aos poucos para cumprir uma função protocolar.
A questão envolvendo a crise de identidade do personagem central vai pouco além do óbvio, sugerindo confusões de formas pouco sutis (ele chega a hesitar quando alguém pergunta seu nome) e sublinhada pelo discurso de uma editora, que apesar de amarrar bem o dilema vivido por Max enquanto escritor, verbaliza as intenções do roteiro ao guiar o espectador pelo rumo que escolheu tomar.
Já o tal dilema é um dos pontos mais fortes da narrativa, ficando palpável não apenas na expressão de Mollica, mas também pelos instantes em que o diretor deixa os diálogos de lado para que a atmosfera fale por si só, com a trilha sonora ligando os pontos. Afinal, o trabalho de Max consiste em ficcionalizar a rotina como Sebastian, mas quando ele finalmente alcança uma perspectiva, tudo muda.
Essa perspectiva é interpretada com imensa ternura por um Jonathan Hyde que merece todos os prêmios da temporada. Claro que um admirador das Artes (todas elas!) se revela um sujeito compreensivo, empático e profundamente humano, estabelecendo uma inédita conexão real com Sebastian, a ponto de ressoar também em Max. Nesse ponto, o filme alcança um ritmo que jamais é recuperado.
Filmando as tórridas sequências de sexo sem trilha sonora e com atenção especial ao design de som, Sebastian é um filme que não se preocupa em suavizar a experiência do espectador. A própria fotografia de Iikka Salminen, escura, mas com fachos amarelados, reflete o tom sombrio da história. E desconfie quando a imagem estiver tomada por uma paleta clara! Sinal de que a realidade não está apenas batendo na porta de Max, como vai arromba-la impiedosamente.
Enfileirando uma sequência incômoda de fade outs, que ao provocar a sensação de encerramento, frustra justamente por serem individualmente eficazes, Sebastian é um estudo de personagem prejudicado pelos atalhos narrativos tomados pelo roteirista, mas parcialmente perdoado pela ótima dinâmica entre Ruaridh Mollica e Jonathan Hyde.
NOTA 7