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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Sem Rastros" e a vida na natureza como terapia pós-guerra

Responsável por alçar Jennifer Lawrence ao estrelato, a cineasta estadunidense Debra Granik ainda colhe os frutos pelo marcante Inverno da Alma, filme que recebeu 4 indicações ao Oscar em 2011. Relacionando-se com a natureza como se esta fosse praticamente uma personagem, aquela produção já revelava muitas pistas sobre o que Granik viria a explorar em seu mais novo filme, Não Deixe Rastros (Leave no Trace, no original).


Contando a história de um pai que vive com sua filha na floresta (mais precisamente no Parque Público de Portland), Granik constrói um retrato bucólico e sincero de um relacionamento em fases opostas. Enquanto Will (Ben Foster) mostra-se incapaz de viver em sociedade, recusando a deixar a vida simples entre as árvores, Tom (Thomasin McKenzie) é uma adolescente em franco desenvolvimento, demandando uma agressiva expansão que invariavelmente entra em choque com os ideais consolidados de seu pai.


E o roteiro (também de autoria de Granik ao lado da produtora Anne Rosellini) ganha pontos pela sutileza com que sugere as mudanças da garota, como ao fazer com que a frase “estou com fome” seja repetida várias vezes, por exemplo, ou ao mostrá-la cada vez mais à vontade com outras pessoas, ainda que com certa insegurança, o que aos poucos vai lhe distanciando de seu cotidiano minimalista e lhe apresentando a uma realidade cosmopolita repleta de possibilidades. Nessa conjuntura, a performance da jovem Thomasin McKenzie (O Hobbit – A Batalha dos Cinco Exércitos) é crucial para que compreendamos a essência da adolescente sem enxergá-la como uma rebelde sem causa.


Transitando entre a seriedade com que conduz as tarefas ao lado de seu pai com uma leveza subjacente que evidencia sua visão de mundo, McKenzie é inteligente ao jamais transformar Tom numa espécie de ‘adulto em corpo de adolescente’, permitindo-se pequenos arroubos infantis que conferem à moça uma aura inocente e espontânea, tanto em seu fascínio por cavalos-marinhos, como nas brincadeiras que faz para chamar a atenção de seu pai para sua fome crescente.


Estabelecendo desde o início uma forte química com sua parceira de cena, Ben Foster (Warcraft), por sua vez, concebe Will como um veterano de guerra que lida com seu estresse pós-traumático através da determinação em cuidar de Tom e fazê-la uma pessoa digna, impedindo que lembranças ruins afetem seu modo de agir. Aliás, é preciso reconhecer a composição disciplinada de Foster, que evidencia a evolução de um intérprete infame por seu histrionismo.


Por outro lado, não é por acaso que Tom e Will sejam o coração de Não Deixe Rastros, por meio de um relacionamento honesto e respeitoso, mesmo quando há evidente e irredutível discordância de pensamentos, e é comovente ver a devoção de Tom levá-la a acompanhar o pai mesmo contra sua própria vontade, agarrando-se à esperança de vê-lo finalmente liberto.


Liberdade que acaba se tornando um elemento importantíssimo na jornada de Tom, uma jovem em constante mudança e cujas ambições já não cabem mais no mundo reservado e isolado de seu pai, que mal consegue cumprir a promessa de tentar adaptar-se à vida em sociedade, falhando miseravelmente em sua eterna luta contra os efeitos colaterais da guerra.


Embora a dicotomia entre natureza e sociedade moderna inicialmente sugira um contraste através do estilo de vida minimalista , aos poucos vai cedendo espaço a uma trama mais interessada nas relações interpessoais, indo numa direção semelhante a do magnífico Capitão Fantástico, seu primo temático e que coloca Viggo Mortensen na pele de um pai que educa seus filhos por conta própria em, adivinha só, uma floresta.


Uma comparação que não faz nada bem a Não Deixe Rastros, já que nem mesmo a agradável experiência proporcionada pela história é capaz de contornar a superficialidade de seus conflitos e sua condução frouxa por parte de sua diretora, que pode até ser competente ao extrair performances marcantes de seus protagonistas, mas carece de um algo a mais capaz de trazer contundência a uma narrativa que parece presa numa estrada sem um destino aparente.


Uma rua repleta de verde ao seu redor e pavimentada com um sofisticado asfalto, mas percorrida por um carro sem muita potência para seguir viagem.


NOTA 7,5


Crítica originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2018.

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