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Retrospectiva Karatê Kid #2: A Hora da Verdade Continua (1986)

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • há 13 minutos
  • 6 min de leitura

Dois anos se passaram desde a estreia de Karatê Kid – A Hora da Verdade, mas engana-se quem pensa que o sinal verde para a sequência só saiu após a bilheteria ou o esmagador sucesso nas locadoras. Apenas dez dias após a primeira aventura de Daniel-san e Sr. Miyagi chegar as telonas, o elenco já estava de volta ao estúdio para gravar esta continuação que começa exatamente de onde parou o filme original. Isso se não contarmos a longa retrospectiva que busca refrescar a memória do espectador com riqueza de detalhes...


Daniel LaRusso (Ralph Macchio) mal consegue conter a euforia por ter vencido o torneio All-Valley de Karatê e experimenta alguns segundos de fama ao sair do ginásio com o troféu, mas a presença pesada de John Kreese (Martin Kove) muda a atmosfera do ambiente. É claro que alguém que não entende a filosofia básica do karatê vai se revelar um péssimo perdedor e a ausência de espírito esportivo é flagrada por Daniel e Miyagi (Pat Morita), quando o sensei parte para cima de Johnny, furioso com sua derrota.

Miyagi não deixa barato e consegue tirar o vice-campeão das garras do treinador, que acaba imobilizado. O fim dessa sequência, com o Sr. Miyagi ameaçando golpear Kreese, mas optando por apertar seu nariz de forma jocosa, é uma marca registrada não apenas o personagem e seu pensamento, mas também da própria franquia (além de ser referenciada ao final). Falando em final, um salto de seis meses é dado antes da nova história enfim começar de fato.

Novamente escrito por Robert Mark Kamen, o roteiro não economiza na exposição durante esses primeiros minutos. Ficamos sabendo que Ali trocou Daniel por um jogador de futebol americano, justificando a ausência de Elisabeth Shue. A atriz ficou sabendo que teria apenas uma cena, terminando com o protagonista ao partir para estudar na Europa, e achou que não valeria a pena voltar, optando por retomar seus estudos em Harvard. Daniel tampouco fica nos Estados Unidos.

Durante uma das tradicionais tarefas passadas para o pupilo, e que rende um diálogo divertido quando Daniel passa a desconfiar do motivo de recebê-las (“toda vez que eu tenho um problema, o senhor me dá algum trabalho!”), “deve ser coincidência!”, brinca Miyagi, pouco antes de ser interrompido pela chegada de uma carta informando que seu pai encontra-se muito doente, solicitando sua presença urgentemente. Não demora muito até sensei e aprendiz embarcarem para o Japão. Se primeiro filme nos apresentou a Daniel e a gênese de sua amizade com Miyagi, Karatê Kid II – A Hora da Verdade Continua é quase inteiramente sobre o mestre karateca.

Isso não quer dizer que Daniel fica em segundo plano, embora sua participação seja praticamente uma repetição da história anterior, o que pesa na hora de equivaler os dois capítulos apesar dos acertos vistos aqui. O jovem novamente é hostilizado numa terra estranha, onde acaba se apaixonando e tendo de lutar contra valentões, com direito a outra sequência de dança que termina em confusão, para não mencionar a luta final. É Miyagi o responsável por trazer frescor à franquia, convidando o espectador a conhecê-lo mais profundamente. O esforço é recompensado, especialmente, por render o momento de maior sensibilidade dentro da série de filmes, com Daniel consolando o velho mestre após a morte do pai, em mais uma belíssima tomada ao pôr-do-Sol.

Apesar de não ser tão elogiada quanto o longa-original, a produção teve uma bilheteria superior, com mais de 115 milhões de dólares arrecadados só na América do Norte e não tem envelhecido tão bem junto ao público, o que não passa de uma tremenda injustiça. Cumprindo com louvor a missão de dar continuidade à aclamada história anterior, mantendo o bom humor, os lampejos de sabedoria (“Às vezes, o que o coração sabe, a mente não esquece”, “A melhor defesa é não estar lá para ter que se defender”) e, claro, a ação, Karatê Kid II é dramaticamente mais poderoso, pois investe pesado no lado humano de seus personagens.

A decisão de tirar a narrativa da Califórnia também se mostrou um acerto, ainda mais com o Japão sendo o país escolhido para acolhê-la, embora as filmagens tenham ocorrido no Havaí. Okinawa oferece um leque mais amplo de oportunidades. As paisagens, naturalmente exuberantes, tornam-se arrebatadores sob as lentes de James Crabe, novamente o responsável pela fotografia principal (portanto, as belas cenas em contraluz permanecem). Sai o ambiente urbano e quente do litoral oeste estadunidense e entra a cultura japonesa, com seus costumes roubando a cena ao pegar carona no Karatê, ainda o veículo principal da franquia. O texto ainda merece elogios por refletir o caráter pacifista de Miyagi ao se posicionar diretamente contra a guerra, mas sem o típico ufanismo hollywoodiano, numa passagem em que Daniel lamenta os “15 mil americanos mortos em 10 dias” e é retrucado pelo mestre lembrando as mais de 150 mil vidas japonesas perdidas “por pura estupidez”.

O diretor de fotografia James Crabe
O diretor de fotografia James Crabe

Com um trabalho de montagem mais coeso, a continuação aproveita a projeção mais curta (1 hora e 53 minutos contra 2 horas e seis minutos) para manter o ritmo sob rédeas curtas. A sensação de movimento é constante e sublinhada por mais uma excepcional trilha sonora de Bill Conti, que desistiu de Rocky IV para seguir por aqui. O compositor equilibra o famoso tema à base de flautas com o esporádico uso de acordes grandiosos, que reforçam a tensão sem forçar a barra. No entanto, a genialidade de seu trabalho está em incorporar tambores às melodias, fazendo referência ao instrumento apresentado por Miyagi como o segredo do karatê de sua família e que ganha protagonismo no confronto derradeiro.

Por falar em música, o espectador mais atento notará “Earth Angel” tocando durante as cenas do baile, da mesma forma que aconteceu em De Volta Para o Futuro. Como o tema do evento é “Anos 50”, nada mais natural do que homenagear o maior sucesso do Cinema no ano anterior. Continuando na área musical, Karatê Kid II mantém vivo o elo com a saga de Rocky Balboa: se o filme original contou com uma composição de Bill Conti e performada pela banda Survivor, esta sequência traz uma faixa rejeitada por Stallone e seus co-produtores. “Glory of Love”, de Peter Cetera, tocada durante e após o filme, não apenas foi um hit, como rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Canção Original à produção.



Mas nem tudo são flores e apesar de ser montado com mais cuidado (e incluir boas sacadas, como na sobreposição do rosto enlutado de Miyagi pela imagem do mar agitado), a continuação do sucesso de 1984 não está isenta de problemas. Note, por exemplo, como Robert Mark Kamen recorre a conveniências para costurar sua narrativa, pegando atalhos através da chegada oportuna de personagens (na sequência da aposta, Sato e Miyagi surgem implacavelmente na Hora H) ou apelando para a força da Natureza ao solucionar a contenda entre os karatecas supracitados.

Sato, por sua vez, é interpretado pelo havaiano Danny Kamekona de forma claudicante. Pesando os diálogos ao sempre pronunciá-los dando ênfase na última palavra, Kamekona tem sérias dificuldades para encarnar o lado vilanesco de seu personagem, saindo-se infinitamente melhor ao ilustrar suas mudanças, além de ser beneficiado pela direção de John G. Avildsen, interessado nos detalhes de sua performance, como no olhar dado a um gesto de Daniel, sugerindo familiaridade. O vilão também é utilizado para propor uma suposta inversão de papéis no clímax, com Miyagi sendo escolhido pelo roteirista para protagonizar a suposta luta final ao invés de LaRusso. Mas Kamen tem planos mais ambiciosos, mesmo recorrendo a um Tufão (olha a força da Natureza aí) para justificar a reviravolta.

Pat Morita, indicado ao Oscar pela performance anterior, tem a chance de se aprofundar ainda mais nos dramas da vida de Miyagi e acerta em cheio ao mantê-lo reservado mesmo em momentos mais agudos, evitando histrionismos que fugissem de sua natureza. Já Ralph Macchio, mais confortável, exibe segurança eficiente para investir numa composição mais divertida e leve, lapidando sua química já forte com Morita.

Genuinamente emocionante, dramaticamente mais robusto e igualmente satisfatório, Karatê Kid II – A Hora da Verdade Continua representa uma evolução dentro da saga de Daniel-san e Sr. Miyagi, pena se tratar da última vez que os vemos juntos num grande filme...


NOTA 8

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