Projeto James Bond #01: 007 Contra o Satânico Dr. No (1962)
Há muito tempo procurei um subterfúgio para rever os filmes de 007, uma franquia da qual sempre gostei muito e que está consolidada não apenas no imaginário popular, mas também na história do Cinema. Agora com o Tomada 7, tomei a iniciativa de transformar esse meu desejo numa série de críticas, unindo o útil ao agradável.
Sendo assim, hoje publico o primeiro de 25 textos, cada um dedicado a um filme oficial estrelado por James Bond.
007 Contra o Satânico Dr. No (1962)
Único filme a dispensar uma sequência pré-créditos, isto é, tendo início já com a abertura musical (com o tema composto por Monty Norman e John Barry, pois o costume de incluir uma canção original ainda não havia começado), 007 Contra o Satânico Dr. No por muito tempo foi, ao lado de 007 Contra Goldfinger, o mais curto da série até ser superado em 9 minutos por 007 Quantum of Solace, com 115 minutos bem gastos numa narrativa que serve como um belo cartão de visitas para James Bond.
Investindo em situações que comprovam sua inteligência - colocar um fio de cabelo entre as portas de um guarda-roupa e espalhar pó nas travas de sua maleta são apenas alguns dos métodos utilizados para tomar ciência das ações de possíveis inimigos -, o roteiro, que adapta o sexto romance escrito por Ian Fleming, é hábil ao convencer o espectador da competência de Bond como agente, mostrando-o sempre um passo a frente de seus oponentes, ainda que aqui e ali alguns deslizes sejam cometidos. Afinal, para quê mostrar o espião examinando uma bebida em sua própria residência, procurando vestígios de envenenamento, se algum tempo mais tarde ele sucumbirá ao mesmo artifício para o qual demonstrou estar precavido? E o que dizer do tolo suspense criado em torno do boato alimentado por pessoas adultas sobre um suposto dragão?
Falando em boato, embora muitos embarquem na falácia de que as primeiras palavras de James Bond no Cinema tenham sido sua já clássica apresentação, foi uma provocação à bond girl de Eunice Gayson que inaugurou a voz de Sean Connery como o agente secreto. “Bond, James Bond”, no entanto, veio logo em seguida, porém, mais uma vez contrariando a crença popular, sendo dita pelo personagem como uma imitação de sua adversária durante a partida de Bacará que estão jogando (ela se apresenta como "Trench, Sylvia Trench"). Mal sabiam os produtores e roteiristas que esse singelo momento estaria estabelecendo uma tradição que já dura mais de 60 anos. Méritos também para o diretor Terence Young, por gravar uma cena tão emblemática; criando um bem-vindo suspense antes de revelar o rosto do protagonista que, de quebra, se apresenta quase diretamente ao público, enchendo a tela enquanto acende um cigarro com a classe que lhe tornou famoso.
Sean Connery, aliás, fornece todos os argumentos possíveis à maioria que o defende como o melhor intérprete de James Bond mesmo depois de 25 filmes. Escolhido em função de sua capacidade de se mover com elegância apesar da altura (1,90), o escocês compõe Bond com a exata medida de arrogância e charme, mas se beneficia imensamente de um humor irônico que distancia sua versão daquela originalmente vinda dos romances de Ian Fleming. Distribuindo sorrisos debochados, um dos poucos momentos em que James Bond mostra-se fiel à concepção de Fleming é quando mata um antagonista desarmado, demonstrando uma frieza poucas vezes vista em toda a série.
No restante do tempo, 007 Contra o Satânico Dr. No funciona como o modelo que passou a ser seguido na franquia, mesmo que o orçamento ínfimo (apenas 1 milhão de Libras) tenha interferido em várias decisões tomadas pela produção. Ao contrário de suas aventuras mais recentes, nas quais roda o mundo, James Bond só sai de Londres para viajar à Jamaica, palco de sequências de ação filmadas com relativa discrição. Dr. No, vale ressaltar, foi o primeiro filme a ser gravado no país caribenho após sua independência do Reino Unido (apenas dois meses após a estreia do filme).
É curioso, todavia, que o roteiro evite transformar a produção numa história de origem, negando ao público um aprofundamento sobre o passado do protagonista. O máximo que descobrimos sobre o personagem são dicas dadas por M (Bernard Lee, na primeira de 11 participações como o chefe do MI6) numa breve reunião que serve como briefing a Bond. Pouco depois de explicar a famosa numeração do agente (o “00” indica licença para matar), M ameaça mandar o espião de volta às “atividades burocráticas de inteligência” caso não aceite receber uma Walther PPK (que se tornaria sua arma mais utilizada) como substituta para a Beretta que o agente insiste em usar mesmo depois de ficar na mão em sua missão anterior, indicando também que Bond não é um novato.
Surgindo numa cena tão icônica que é homenageada até hoje (inclusive por filmes da própria franquia 007) Ursula Andress não tinha ideia de que seu papel como Holy Ryder serviria como o arquétipo definitivo de bond girl, o que talvez tenha influenciado em sua performance, já que seu talento era inversamente proporcional à sua beleza. Abusando da canastrice, Andress voltaria a esse tipo de papel na sátira Cassino Royale (não confundir com o filme estrelado por Daniel Craig), contracenando com Peter Sellers e David Niven, ironicamente o ator preferido pelo escritor Ian Fleming para interpretar Bond.
Finalmente, seria impossível abordar um filme de 007 sem mencionar seu vilão e Dr. No acaba servindo como um mero esboço do tipo de papel que o espectador se acostumaria a ver nas telonas, já que Joseph Wiseman investe numa composição tão contida que foi facilmente superado nas aventuras posteriores. Visualmente inspirado em Fu Manchu, Julius No é o típico cientista maluco (ou físico nuclear maluco, no caso) consumido pelo famigerado desejo de dominação mundial. E como quase todo vilão da série, No possui uma característica marcante, que é o fato de possuir poderosas próteses mecânicas no lugar das mãos (amputadas após um acidente radioativo).
Mesmo imperfeito, 007 Contra o Satânico Dr. No é uma aventura divertida, ágil e cheia de personalidade, funcionando como uma bela estreia para o espião mais famoso e longevo da história do Cinema.
NOTA 7,5
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