Problemático, "A Baleia" é salvo por Brendan Fraser
O cineasta nova-iorquino Darren Aronofsky tem experiência em conduzir narrativas pesadas (vide o excruciante Réquiem Para um Sonho e o hiperativo Pi, sua estreia no Cinema), mas também já colocou seu estilo à serviço de obras intimistas como o excelente O Lutador, que marcou o ressurgimento, embora por pouco tempo, do subestimado Mickey Rourke. Unindo essas duas características, Aronofsky faz deste angustiante A Baleia o filme que pode representar um divisor de águas na carreira de Brendan Fraser, ator que fez sucesso na década de 90, mas que entrou numa fase turbulenta após ser vítima de assédio por um figurão de Hollywood.
Sob toneladas de próteses e maquiagem, Fraser interpreta Charlie, professor de inglês que por sofrer de obesidade severa, passa os dias confinado em seu apartamento. Com sérias dificuldades de locomoção, ele recebe os cuidados da enfermeira Liz (Hong Chau, também indicada ao Oscar), que não cansa de implorar para que Charlie se submeta a um tratamento hospitalar. Sua recusa, no entanto, é fruto de um comportamento autodestrutivo motivado pela morte do namorado. Deprimido, a única capaz de lhe trazer alguma felicidade é sua filha Ellie (Sadie Sink, a Max da série Stranger Things), mesmo que a relação entre os dois não seja das melhores.
Situado numa cidade imersa num tempo constantemente nublado, o filme exibe uma atmosfera carregada, ressaltada pela trilha pesada composta por Rob Simonsen (O Projeto Adam). Além disso, a parca iluminação do ambiente, refletida pela fotografia de Matthew Libatique (colaborador regular do diretor) mergulhada em tons escuros, é complementada pela decisão de Aronofsky por manter a razão de aspecto em 4:3, contribuindo para uma sensação de claustrofobia que fica ainda mais evidente através dos planos quase sempre fechados.
Da mesma forma, o apartamento do protagonista mais parece um esconderijo: com várias janelas permanentemente cobertas por persianas e lâmpadas apagadas, o local reflete o desejo de Charlie em se esconder do mundo (ele sequer liga sua câmera durante as aulas), privando-se até mesmo de passar pela porta para atender a um entregador de pizza. As numerosas estantes, todas abarrotadas de livros, é condizente ao ofício de Charlie, professor que dedica boa parte do seu tempo a corrigir redações.
Em contrapartida, Darren Aronofsky demonstra uma preocupante falta de sensibilidade ao retratar seu protagonista, transformando-o numa espécie de atração de circo: Espetacularizando a condição de Charlie, Aronofsky não economiza nos contra-plongées ao filmá-lo quando está de pé, por exemplo, enfatizando sua estatura ao buscar o choque. Aliás, os momentos em que Charlie resolve sair do sofá são acompanhados como um verdadeiro evento, aproximando A Baleia de um filme-catástrofe no qual Charlie funciona como uma versão alternativa de Godzilla. A ideia de ligar os hábitos alimentares de Charlie ao seu estado emocional (quando está sofrendo, ele se entrega a comilanças descontroladas), forma uma alegoria eficaz, mesmo que Aronofsky dilua sua carga dramática em função do sensacionalismo.
Brendan Fraser, por outro lado, é astuto ao escapar ileso dessa abordagem, transformando Charlie numa figura complexa. Famoso pela simpatia fora das telas e por interpretar tipos heroicos que misturam carisma e bom humor (como na trilogia A Múmia e na refilmagem de Viagem ao Centro da Terra), era de se esperar que Fraser não tivesse dificuldades para fazer do professor uma figura adorável, mas é surpreendente a força de sua performance ao captar as nuances dramáticas do personagem, que faz da positividade um escudo comovente. O ator norte-americano em nenhum momento deixa de convencer como alguém com mais de 270 quilos, investindo em detalhes que acabam enriquecendo sua composição.
Para alguém nessas condições, o simples ato de se virar no sofá demanda um esforço hercúleo e Fraser faz questão de frisar isso, ao emitir sons de dor. De modo semelhante, a frustração de Charlie ao deixar uma chave cair no chão ganha uma conotação completamente diferente por sabermos dos obstáculos que ele enfrentará para recuperá-la e Darren Aronofsky, como não poderia deixar de ser, constrói essa sequência como uma missão de escala épica.
Embora ainda exiba resquícios de sua performance em Stranger Things, Sadie Sink é competente ao evocar com intensidade a rebeldia de Ellie, ao passo que Ty Simpkins (Homem de Ferro 3) não tem a mesma sorte na composição de Thomas, negando fogo em duas passagens marcantes em que não demonstra desenvoltura suficiente para manter o nível de Brendan Fraser, por exemplo. Vale dizer que Paul Dano teve oportunidade semelhante em Sangue Negro e obteve resultados infinitamente superiores. Já Hong Chau, que flertou com uma indicação ao Oscar pelo decepcionante Pequena Grande Vida em 2017, justifica a aclamação que vem recebendo pelo papel de Liz.
Se no filme de 2017 ela esteve particularmente irritante, em A Baleia ela aproveita cada cena para fazer da enfermeira uma figura que exala humanidade, dividindo com Brendan Fraser os momentos mais comoventes da história (e suas reações aos hábitos autodestrutivos de Charlie só não são mais emocionantes do que suas devastadoras cenas finais). É uma pena, contudo, que ela suma repentinamente na segunda metade da projeção, quando outros personagens tomam seu espaço.
E esse é só um dos problemas evidenciados pelo roteiro de Samuel D. Hunter, adaptando o texto da própria peça de teatro, pois por mais notáveis que sejam os esforços desesperados de Darren Aronofsky para dar um toque cinematográfico à obra, sua natureza teatral jamais deixa de ser percebida pelo espectador. É preciso reconhecer o desafio de levar às telas a história de alguém que não sai de casa, mas a estrutura problemática do texto e a dinâmica engessada imposta pela montagem são difíceis de relevar. Os personagens coadjuvantes, todos orbitando a figura onipresente de Charlie, alternam-se em cena na maioria das vezes para lidar direta ou indiretamente com os problemas do protagonista, numa estratégia similar à de Casamento em Família, outra adaptação teatral que estreou essa semana, restando apenas duas cenas sem a presença de Charlie. Não por acaso, são momentos concebidos sob medida para desenvolverem Ellie e Thomas, cuja relação é construída apenas para servir a propósitos puramente dramáticos (a justificativa para a fé de Charlie na adolescente, por exemplo).
Por se tratar de um filme de Darren Aronofsky (mesmo que o roteiro não seja de sua autoria), há um obrigatório componente religioso, mas que, diferentemente de suas obras anteriores, é empregado para levantar questionamentos que jamais passam da superfície, sendo tratados como elementos periféricos dentro da construção narrativa de Hunter. Afinal, a oposição entre a homossexualidade e o cristianismo passa longe de ser uma novidade, portanto, um aprofundamento seria essencial, mas o script se atém ao discurso de culpa que favorece o arco do protagonista, concedendo-o em, pelo menos, uma boa cena em que Charlie confronta os ideais retrógrados representados pelo discurso carola, moralista e hipócrita de Thomas (e convenhamos, da própria religião retratada).
Culminando num final que beira o burlesco, quando a narrativa se embebeda na fonte do melodrama e Aronofsky pesa a mão ao forçar um simbolismo dissonante, A Baleia é um filme que poderia chamar atenção pela forma polêmica com que aborda a natureza de seu protagonista, tratado como uma aberração, mas felizmente está sendo encarada como o retorno triunfal de Brendan Fraser, descobrindo seus dotes dramáticos numa performance forte o bastante para mudar os rumos de sua carreira. Se ele volta para ficar, ou não, ainda é cedo para dizer.
NOTA 6,5
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