"Presença" é instigante apenas conceitualmente
- Guilherme Cândido
- 3 de abr.
- 4 min de leitura

No alto de seus 36 anos de carreira, o cineasta estadunidense Steven Soderbergh já não tem (e nem precisaria ter) mais objetivos em mente e digo isso não apenas com a mais positiva das intenções, mas levando em conta o profissional cujos prêmios conquistados foram muito mais do que reconhecimentos artísticos. Afinal, ele não é apenas um “vencedor da Palma de Ouro” e, sim, o diretor mais jovem a receber a honraria máxima de Cannes. Sexo, Mentiras e Videotape (1989) não era só um grande filme de Soderbergh: era seu primeiro filme. Em 2001, tornou-se a terceira pessoa na quase centenária história da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas a disputar o Oscar de Melhor Direção por dois filmes diferentes, igualando-se a Clarence Brown e Michael Curtiz. Dos três, Soderbergh foi o único a de fato levar o prêmio. Chegou a voltar à cerimônia em 2021, mas desta vez como produtor. Foi celebrado em grandes festivais como os de Veneza, Berlin e Sundance, além de ter feito sucesso também na TV, conquistando o Emmy duas vezes pelo telefilme Minha Vida Com Liberace (2013).

Mesmo sem ter mais o que provar, Soderbergh continua firme e forte na ativa, chegando a lançar duas produções no mesmo ano, exatamente como em 2025. Se mês passado tivemos o saboroso Código Preto homenageando os filmes de espionagem da década de 60 nas telonas, esta semana estamos sendo brindados com um projeto menos comercial e mais experimental da parte do realizador de 62 anos de idade. Presença teve sua première em Janeiro do ano passado no Festival de Sundance, sendo pauta para artigos que exaltavam o incômodo provocado por sua narrativa, tanto que vários espectadores supostamente abandonaram as sessões, conforme relatado. Esse tipo de sensacionalismo pode atrair cliques desavisados, mas nem o público casual parece ter comprado a ideia. Pois a verdade é que a produção, conceitualmente instigante, falha não apenas em passar à tela a potência de sua ideia, mas também em transmitir ao espectador todas as sensações inerentes a ela.

É preciso reconhecer a ousadia do roteirista veterano David Koepp em contar uma história de casa mal-assombrada do ponto de vista do fantasma, algo que Soderbergh absorve de forma literal ao adotar a câmera subjetiva. O problema é que, fazendo isso, os olhos da tal Presença, se tornam também os nossos, esvaziando o potencial arrepiante da narrativa e jogando luz sobre um núcleo muito menos interessante: o da família assombrada.
Isso porque Koepp, idealizador de franquias como Jurassic Park e Missão: Impossível, além de blockbusters celebrados como Zathura e Guerra dos Mundos, recorre a convenções para conceber seus personagens. Assim, como em tantos filmes do gênero, há uma adolescente problemática cujo contato com o sobrenatural é desacreditado por todos, mas não pelo espectador, a testemunha ocular. O casamento de seus pais, claro, está em crise e o irmão mais velho, mais descolado, a trata com hostilidade. Há, inclusive, a presença do amigo/interesse amoroso, cujas intenções servirão para expor a atividade paranormal. Já o mistério em relação à “índole” da assombração, revela-se uma futilidade, pois a abordagem subjetiva nos coloca em seu lugar.

Os planos longos, a câmera como um personagem observador, os efeitos práticos (Presença serve como um Mister M para Atividade Paranormal), as transições duras e as formas encontradas pela entidade para se comunicar com os residentes, jamais deixam de instigar, mas quando somos mais atraídos pela forma (ou pela técnica) ao invés do que acontece no campo diegético, é porque há algo errado.

E esse desequilíbrio começa com a escalação de Lucy Liu, uma atriz que apesar de frequentar Hollywood há décadas, também falhou em oferecer performances marcantes. Não por acaso, seus destaques foram como coadjuvantes de características extremadas por natureza (Kill Bill, As Panteras). Verdade seja dita, temos pouco acesso aos problemas de Rebekah, a matriarca irremediavelmente em desacordo com o marido, cujo intérprete (Chris Sullivan, o Taserface de Guardiões da Galáxia Vol. 2), é quem mais se aproxima de criar uma figura minimamente digna de nossa atenção.

Contrastando com a opacidade de Liu, Sullivan sabe ser enérgico e suave quando o papel demanda. E apesar de o roteiro sugerir um conflito através de uma chamada telefônica (abandonado logo em seguida), o ator é hábil ao transmitir o tumulto interno de Chris, pai amoroso que reconhece as necessidades da caçula, vivida de forma segura por Callina Liang.

Se encaramos os problemas da família como triviais, é porque o roteiro não fez muita questão de desenvolvê-los ao ponto de o espectador genuinamente se importar. Essa superficialidade mata aquela que poderia ser a boia salvadora de Presença, tremendamente anêmico do ponto de vista do terror. Nesse aspecto, Soderbergh falha ao aproveitar a casa, que acaba servindo apenas para admirarmos sua arquitetura e o conforto de seus aposentos. A tensão, administrada em doses homeopáticas, é tão insuficiente quanto os arrepios, e as parcas tentativas de assustar acabam decepcionando (Atividade Paranormal, dessa vez, soma mais pontos).

Fracassando como horror psicológico e decepcionando como drama familiar, Presença não justifica a experimentação por parte de Steven Soderbergh, cuja abordagem acaba chamando muito mais atenção do que a história contada.
NOTA 5