Premiado internacionalmente, brasileiro 'Baby' ressignifica a família
*Filme visto durante o Festival do Rio 2024
Em Baby, Wellington (João Pedro Mariano) é um jovem de 18 anos que acaba de ser libertado de um centro de detenção juvenil (a popular FEBEM), onde cumpriu pena por um crime jamais revelado. Seu primeiro impulso é ligar para os pais, mas o antigo lar que ele conhecia, já não existe mais. Nesse ponto, ficamos sabendo que o rapaz era renegado pelo próprio pai em função de sua homossexualidade e o reformatório foi o estopim para que um rompimento acontecesse. Abandonado à própria sorte (sua mãe até hesita em dar o novo endereço), ele se reúne a velhos amigos, mas é num cinema pornô que ele conhece alguém capaz de fornecer o alicerce emocional que tanto procura.
Ronaldo (Ricardo Teodoro) é um trabalhador sexual experiente, na faixa dos 40 anos que enxerga potencial em Wellington, cuja beleza jovial pode ser usada como sustento. Os dois iniciam uma amizade colorida que rapidamente se transforma em parceria de negócios, quando Ronaldo ajuda o protagonista a se estabelecer como garoto de programa. O rapaz faz sucesso, principalmente com homens mais velhos, o que acaba desequilibrando a relação, antes estável, que possuía com Ronaldo.
Premiado na Semana da Crítica da mais recente edição do Festival de Cannes (Ator Revelação para Teodoro), Baby poderia ser considerado uma aposta de alto risco, não fosse a segurança exibida por seu diretor, o mineiro Marcelo Caetano (do elogiado Corpo Elétrico). Afinal, ele escala dois novatos para os papéis mais importantes de um longa-metragem desafiador, logrando imenso êxito ao extrair performances espetaculares de ambos.
Da mesma maneira, o roteiro concebido pelo cineasta ao lado de Gabriel Domingues oferece farto material para que Mariano e Teodoro construam personagens fortes, multifacetados e que estabelecem uma conexão instantânea com o espectador. Perceba como a natureza humilde de Wellington não o impede de agir com firmeza para preservar a própria dignidade e como aos poucos adquire confiança suficiente para repelir quaisquer comportamentos tóxicos. O próprio apelido “baby”, recebido em função de sua inexperiência (não apenas no trabalho, mas principalmente na vida), é assumido num momento que representa um ponto de virada dentro da trama. Já Ronaldo segue uma curva dramática oposta e Teodoro é certeiro ao ilustrar as mudanças submetidas pelo personagem.
Baby também é eficiente ao mostrar os diversos significados que a palavra “família” vem ganhando nos últimos anos, algo ilustrado pela busca de Wellington por seus pais, sendo que seu verdadeiro porto seguro sempre esteve bem à sua frente. Em letras miúdas, é uma forma de questionar a suposta “tradicional família brasileira” enquanto exalta a diversidade. A mesma sexualidade que o levou a ser renegado pelo próprio pai, é o motivo que o reúne aos amigos. O ponto alto da história, aliás, é uma conversa reveladora entre Wellington e um cliente recorrente, na qual o homem lamenta ter crescido numa época muito mais dura, sendo muito menos difícil assumir relacionamentos homoafetivos hoje em dia. O sentimento de pertencimento, vem da triste realidade LGBTQIA+, onde o suporte e a resiliência são fundamentais.
Baby é um retrato moderno e sensível de uma São Paulo representada como um mosaico de diferentes ambientes e tribos, capturado pela lente de um diretor em franca ascensão no Cinema nacional.
NOTA 8