Premiado em Berlim, "Music" amontoa divagações
Um bebê é resgatado de uma caverna. Um carro com adolescentes surge. Um dos jovens está do lado de fora com outro jovem tentando beijá-lo. O primeiro reage empurrando o segundo violentamente. O vemos sem vida com sangue saindo de sua nuca. O primeiro adolescente aparece na cadeia enquanto é observado por uma jovem. Ele é libertado indo ao encontro dela.
Se você achou o primeiro parágrafo estranho, desconexo, saiba que é exatamente desse jeito que Music se desenvolve.
Escrito, dirigido e montado pela alemã Angela Schanelec, a produção adota uma estrutura bressoniana para narrar a vida de um jovem, desde seu abandono ainda bebê até a adoção, passando pelo ano cumprindo pena num reformatório até culminar na formação de sua própria família.
Através de planos longos e sempre estáticos, Schanelec exibe um estilo que instiga nos primeiros minutos, abusando de imagens contemplativas e apresentando a primeira linha de diálogo apenas no décimo primeiro minuto de projeção. O problema é que tal estratégia cansa e se antes buscávamos alguma lógica para nos mantermos envolvidos, logo nos atiramos num jogo fastidioso de tentar conectar as cenas que se alternam.
Como num quebra-cabeça infinito em que jamais vislumbramos uma imagem sendo formada, Musik traça alguns paralelos com a epopeia de Édipo, algo que fica escancarado, por exemplo, através das feridas nos pés de Íon, o jovem protagonista. Vivido por Aliocha Schneider, prejudica a história o fato de jamais percebermos o seu envelhecimento, como se este fosse imune ao efeito do tempo. Tampouco ajuda a sucessão de elipses, muitas vezes súbitas e que passam a sensação de que o tempo, de fato, se esvai por nossas mãos.
Nessa busca exaustiva por significado, é possível encontrar alguns elementos recorrentes e a Música surge como o elo que liga praticamente todos os personagens da história, já que em algum momento surgem cantando. O próprio Íon é visto cantando na cadeia e algumas cenas mais tarde aparece gravando uma música num estúdio. Sua ligação com a Arte, porém, permanece um mistério, assim como o restante da narrativa.
Tudo acontece à revelia, personagens vem e vão sem razão aparente. Jovens crescem, idosos morrem e não conseguimos processar os eventos num nível emocional, pois Schanelec drena completamente o drama. Nem os personagens podem reagir ou expressar emoções, como fica claro nas várias passagens em que pessoas limitam-se ao estoicismo ao encararem um cadáver.
Assim, Musik caminha até o final como se estivesse determinado a impedir que o espectador sinta algo além de indiferença, fazendo com que não nos importemos com os personagens e suas ações. Ora, nem a fotografia ajuda. Ou melhor, talvez ajude até demais, na perspectiva da realizadora. Os planos estáticos, na maioria das vezes, não são atrativos, pois a câmera não é posicionada de forma a valorizar o ambiente. Chega a ser estarrecedor que o filme não capte uma única imagem que demonstre as belezas naturais da Grécia, famosa pelas ilhas e praias, mas que aqui se resume a estradas de terra e rochas.
Se não há interesse nas paisagens marcantes do país europeu, a menos que uma nuvem esteja passando no momento, ao menos há um padrão no foco da câmera, sempre valorizando gestos, seja através de um toque ou não. O problema é que para cada plano-detalhe de um aperto de mão significativo, há dois ou três planos longos de uma nuvem passando por uma montanha ou de alguém colocando ataduras nos pés ou de uma moça tirando as roupas da corda... fazendo com que Music se transforme num teste rigoroso de resistência.
A ausência quase completa de diálogos só é justificada lá pelo segundo ato, quando uma conversa absolutamente artificial torna compreensível que a roteirista não tenha tentado produzir outros durante a narrativa, optando por seguir a cadeia (pouco plausível) de acontecimentos, como alguém convenientemente ligar para saber do irmão sete anos depois, atirando um conflito do mais absoluto e obscuro nada. Isso para não mencionar uma determinada coincidência.
Fica a dúvida se a intenção de Angela Schanelec, incompreensivelmente vencedora do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Berlim, era realmente manter o mistério ou se sua languidez contagiou os demais departamentos. Em meio a tantos enigmas, uma coisa é certa: Music oferece uma experiência sacal e que redefine o conceito de desinteresse.
NOTA 3
Ótima crítica . Parabéns 👏🏼
Parabéns pela crítica