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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Observadores" | Thriller erótico se perde ao tentar provocar reflexão

Atualizado: 5 de set. de 2022

De acordo com o dicionário de Oxford, “voyeur” é a palavra de origem francesa que define o indivíduo que experimenta prazer sexual ao ver estímulos sexuais, objetos associados à sexualidade ou o próprio ato sexual praticado por outros. E o fato de o mesmo dicionário classificar essa específica busca de prazer como uma psicopatologia mostra como a sociedade mudou e continua mudando. Afinal, o “voyeurismo” virou uma cultura que, não apenas já deixou de ser praticada em segredo, como há algum tempo passou a ser difundida e assumida como um fetiche, perpassando por qualquer julgamento.


O Cinema já retratou o voyeur em inúmeras produções, ganhando roupagens diferentes de acordo com a época e com o diretor atrelado ao projeto. Em Janela Discreta, por exemplo, temos o personagem de James Stewart e seu binóculo passeando pelas vidas de seus vizinhos, ainda que sem a lascívia presente em Dublê de Corpo, filme no qual Brian De Palma (de Vestida Para Matar) sedimenta-se como o mestre do thriller erótico moderno e serve de inspiração para Michael Mohan neste Observadores.


O problema é que o cineasta, mais conhecido como o idealizador da série Everything Sucks! (da Netflix) não se contenta em tentar resgatar o subgênero sensação dos anos 80 e vê a necessidade de tecer um comentário social, aparentemente temendo que sua obra recaísse na frivolidade de tentativas anteriores como a ridícula trilogia Cinquenta Tons de Cinza. E se Mohan demonstra ter feito o dever de casa, saindo-se bem ao retratar o lado erótico do thriller, o mesmo não deve ser dito da justificativa filosófica que atribui aos seus esforços.


Ele demonstra uma falta de sutileza alarmante já ao abrir a projeção, com a óbvia sequência em que a câmera subjetiva “espia” uma jovem num provador. Posteriormente, Mohan, também responsável pelo roteiro, expande essa situação, buscando discursar sobre a privacidade nos tempos das redes sociais ao mesmo tempo em que fornece argumentos para o debate acerca do que pode ser considerado “exibicionismo”. Os problemas começam quando esse tema, instigante por natureza, passa a entrar em conflito com as reais intenções do realizador, claramente mais interessado em engrossar o catálogo do Supercine do que povoar discussões sociocomportamentais.


E é aí que entra o casal Pippa (Sidney Sweeney) e Thomas (Justice Smith) que acabam de alugar um espaçoso apartamento em Montreal e logo descobrem que os vizinhos do prédio da frente além de terem uma vida sexual agitada, são aparentemente avessos a cortinas, uma combinação perfeitamente talhada para transformar os jovens em voyeurs quase literais. Nesse ponto, as semelhanças com Janela Indiscreta se encerram à medida em que o binóculo do casal deixa de ser um mero instrumento de observação, para apimentar diretamente a relação dos enamorados. E lembremos que Michael Mohan está mais focado em erotismo do que nos desdobramentos de um eventual homicídio.


Nesse ponto, o cineasta estadunidense demonstra um controle tão impressionante quanto sua habilidade em imprimir sensualidade, bastando notar a forma com que filma seus personagens para notar alguém que sabe exatamente o que fazer para provocar seu espectador. Perceba, por exemplo, o cuidado com que ele mostra o vizinho vivido por Ben Hardy logo após este protagonizar uma tórrida sequência de sexo, mostrando-o completamente nu, mas através de um ângulo onde uma eventual nudez frontal é substituída pela mera captação de sua silhueta. Ou o momento em que Pippa é vista no interior de um banheiro, mas num quadro que a “espreme” entre a porta e o batente, cobrindo estrategicamente seus seios ao mesmo tempo que ilustrando o momento psicológico de sua personagem.


Musa do diretor também na supracitada série da Netflix, Sidney Sweeney, apesar dos seus 24 anos recém completados, já tem em seu currículo obras maduras e provocativas, o que serviu de preparação para a performance corajosa que desempenha aqui. O mesmo acontece com Justice Smith, que parece finalmente livre dos papéis unidimensionais que desempenhou em produções como Todo Dia e Detetive Pikachu. Também beneficiado pela experiência na recente série Genera+ion, Smith surge à vontade nas cenas mais quentes, embora invista numa estranha abordagem vocal que frequentemente remete ao comediante Seth Rogen.


Já o britânico Ben Hardy, conhecido pelos papéis pequenos em blockbusters como X-Men: Apocalipse e Esquadrão 6, vive uma versão light de Christian Grey, revelando-se no processo um intérprete bem mais interessante do que Jamie Dornan, o insosso original. Usufruindo do rosto jovial que tem, Hardy é inteligente ao conferir um ar juvenil, quase adolescente, ao seu personagem, brilhando especialmente na sequência em que equipara a masturbação ao ato de transar com uma pessoa desconhecida (rendendo um dos diálogos mais estapafúrdios dos últimos tempos).


É uma pena, portanto, que Mohan pese a mão construindo um terceiro ato absolutamente decepcionante ao investir em reviravoltas que surgem do mais absoluto nada e que, de tão implausíveis, enfraquecem o filme em retrospecto, sabotando o desenvolvimento dramático de Pippa e sacrificando os esforços de Hardy, transformando seu personagem numa caricatura risível. E é aí que, mais uma vez, Mohan aparece para tentar fornecer justificativas (para o que desta vez é injustificável), tentando desesperadamente ligar um desdobramento (que não revelarei para não dar spoilers) a um hábito de internautas envolvendo “termos” e, com isso, traçar um trôpego paralelo com a discussão inicial, oferecendo um desfecho absurdo e infantil.


Assim, no roteiro de Observadores parecem existir dois filmes brigando entre si: um é uma reflexão filosófica sobre o comportamento da sociedade no ambiente virtual; o outro é um eficaz thriller erótico que deixaria De Palma orgulhoso. Ao tentar misturar os dois, Observadores acaba sendo nenhum deles.


NOTA 5

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