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"O Urso do Pó Branco" decepciona com roteiro conservador e piadas datadas

Foto do escritor: Guilherme CândidoGuilherme Cândido

Em 1985, um avião de pequeno porte transportava um traficante e quatrocentos quilos de cocaína. Certo de que estava sendo perseguido, o homem entra em desespero e começa a se livrar dos pacotes, atirando-os pela porta enquanto sobrevoava as florestas do Tennessee, no sul dos Estados Unidos. Antes de pular da aeronave, porém, ele resolve levar consigo alguns dos pacotes restantes, uns dentro de uma bolsa e outros amarrados no próprio corpo, mas o paraquedas não suporta o peso e acaba falhando, espalhando a carga nos arredores da cidade de Knoxville. O mais intrigante, no entanto, aconteceu dois meses depois, quando o cadáver de um urso negro foi encontrado nas proximidades. A causa da morte? Overdose de cocaína. Para Hollywood, o final dessa história não importa, pois apenas sua premissa já é suficiente para render uma comédia de terror com alto potencial de engajamento na internet. Afinal, quem não ficaria curioso para ver as peripécias de “Pablo EskoBear” (como ficou conhecido o pobre animal)? É uma pena que a produção se envergonhe da própria vocação nonsense, adotando um tom prudente demais para um conto tão inusitado.

A atriz Elizabeth Banks (Disque Jane), em sua terceira empreitada solo como diretora (comandou o fracassado reboot de As Panteras e não comprometeu o bom A Escolha Perfeita 2), até constrói bons momentos, com a sequência da ambulância comprovando que ela possuía todas as habilidades necessárias para fazer de O Urso do Pó Branco um filme muito mais atraente do que este que chegou aos cinemas. Com um grupo de pessoas fugindo a bordo do veículo enquanto é perseguido pelo urso ensandecido, a diretora consegue injetar uma dose de adrenalina que infelizmente acaba sendo a única durante toda a projeção, além de combinar gore e humor na medida certa para finalizar a sequência que deveria ter servido de modelo para o restante do filme.

A disposição de Banks em assumir de peito aberto esse conceito insólito proposto pela ideia original, no entanto, nem sempre é o bastante para salvar o roteiro de Jimmy Warden (A Babá) do deserto de ideias no qual se enterrou. Pode parecer óbvio para qualquer um o fato de que o urso e suas ações sob efeitos de cocaína são a grande atração do projeto, mas não para Warden, que enche a história com uma série de personagens desinteressantes, esboçando arcos que no final das contas são bobos e descartáveis como quase todas as suas ideias. Caso suas intenções fossem aumentar a contagem de vítimas do animal, até seria compreensível, mas quando passamos tempo demais alternando entre núcleos humanos, sem de fato vermos o animal, fica evidente que o roteirista não compreendeu o básico do projeto.

Quebrando o modelo de filme de monstro (sua estrutura inicial) com uma série de piadas pouco criativas (aquela com os dedos sendo devorados por um cachorro já foi usada diversas vezes), o filme ainda comete o pecado de tentar se levar a sério, apostando numa reviravolta policial que só não é mais tola do que toda a trama envolvendo a mãe vivida por Keri Russell (da série The Americans), uma enfermeira que se vangloria por saber diferenciar sangue de tinta vermelha, mas incapaz de perceber a incompetência da dupla de guardas florestais vivida por Margot Martindale (também de The Americans) e Jesse Tyler Ferguson (o Mitchell de Modern Family), os únicos a verdadeiramente abraçarem o tom cartunesco da história. Povoado por nomes periféricos da indústria, o elenco de apoio ainda inclui Alden Ehrenreich (marcado para sempre como o símbolo do fracasso de Han Solo: Uma História Star Wars) e O’Shea Jackson Jr. (o Ice Cube de Straight Outta Compton) além de desperdiçar Isiah Whitlock Jr. e Ray Liotta (em uma de suas últimas atuações, já que faleceu em maio do ano passado).

Impressiona o grau de conservadorismo da narrativa, que até ensaia um aceno ao politicamente incorreto quando coloca duas crianças para interagirem de forma surpreendente com a droga, mas não vai além, ignorando eventuais consequências em prol de um arco aventuresco que contraria as expectativas de seu público-alvo (é difícil de imaginar O Urso do Pó Branco sendo exibido na Sessão da Tarde...). O máximo que Jimmy Warden consegue conceber em termos transgressores é um diálogo repleto de palavrões proferidos por um menino. O que é uma pena, ainda mais se levarmos em conta que a produção é assinada por Phil Lord e Chris Miller, dupla que escreveu e dirigiu obras infinitamente mais ambiciosas e nada reacionárias, como os ótimos Anjos da Lei e Uma Aventura Lego, além de terem conquistado o Oscar de Melhor Animação pelo excepcional Homem-Aranha no Aranhaverso, o que torna tudo ainda mais difícil de entender.

O Urso do Pó Branco tinha tudo para seguir os passos de M3gan - comédia de horror que também fez sucesso na internet - e até deve levar um público considerável aos cinemas esperando pela anarquia tresloucada prometida pelos materiais de divulgação, mas que deverão se contentar com uma história que se desenvolve com o freio de mão puxado.


NOTA 5


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