O Telefone Preto oferece terror nos moldes de It - A Coisa
Dirigida por Scott Derrickson (Doutor Estranho) e adaptada do conto de Joe Hill pelo próprio diretor ao lado de C. Robert Cargill (colaborador habitual do diretor), a trama de O Telefone Preto se passa em 1978, quando uma pequena cidade ao norte de Denver, nos Estados Unidos, passa a ser aterrorizada por um sequestrador conhecido como “The Grabber” ("O Agarrador", em tradução livre) que está fazendo de crianças suas vítimas favoritas. Nesse contexto estão os irmãos Finney (Mason Thames) e Gwen (Madeleine McGraw), que além da apreensão provocada pelos desaparecimentos de seus colegas de escola, ainda precisam conviver com o pai alcóolatra e violento (Jeremy Davies). Infelizmente, Finney acaba sendo capturado pelo bandido e mantido num cativeiro à prova de som contendo apenas um colchão, um vaso sanitário e... um telefone preto preso à parede e desconectado, que estranhamente começa a receber chamadas das vítimas anteriores do sequestrador.
Aliando o terror sobrenatural ao subgênero coming of age, O Telefone Preto imediatamente faz lembrar de It – A Coisa, sua óbvia referência, com quem divide uma série de elementos, sejam eles temáticos (bullying, violência doméstica), narrativos (as alegorias envolvendo o amadurecimento de Finney) ou até mesmo de bastidores (a presença do ator James Ransone). Há até mesmo uma criança de capa de chuva (amarela, ainda por cima) andando de bicicleta. Eu poderia citar também os balões que o sequestrador carrega, mas como são pretos, talvez não tenham o mesmo valor comparativo.
Mas as semelhanças param por aí, pois enquanto It contava com o palhaço demoníaco Pennywise, O Telefone Preto possui um vilão humano: vivido por um Ethan Hawke (O Homem do Norte) cujos gestos expansivos e voz anasalada lembram vagamente o Coringa de Heath Ledger, o Sequestrador se beneficia de um visual estiloso, contando com uma máscara que reflete seu humor no momento que a utiliza. É uma pena, portanto, que o personagem seja aproveitado em interações quase sempre repetitivas, desperdiçando o carisma e a entrega de Hawke.
Os roteiristas optam por fragmentar a trama em dois núcleos: se aquele envolvendo Gwen falha pontualmente em sua função básica de manter o espectador a par da repercussão do desaparecimento de seu irmão (note a superficialidade das investigações e a ausência quase completa da imprensa), o que mostra Finney e seu contato com o sobrenatural e com a ameaça principal mostra-se relativamente mais eficiente, guardando alguns bons sustos e um clima de tensão sempre que o sequestrador surge em cena.
A grande força do roteiro, por outro lado, não reside em sua capacidade (mediana) de provocar desconforto no espectador, mas sim no envolvimento deste com Finney e Gwen pois, enquanto o primeiro protagoniza uma história de amadurecimento, tendo de encontrar forças (sobrenaturais) para superar seus próprios problemas, Gwen rouba a cena justamente pela forma como os enfrenta. Dotada de uma resiliência comovente ao lidar com o alcoolismo do pai, ela também não hesita em defender seu irmão ao vê-lo ser vítima de valentões na escola, mas é quando resolve fazer orações que acaba gerando boas gargalhadas graças à sua natureza impaciente (sobra até para Jesus Cristo).
Contando com um design de produção eficiente ao criar a ambientação no final da década de 70, a narrativa lança mão de uma série de referências à época, deleitando-se com penteados e roupas extravagantes, garrafas de refrigerantes e até programas de TV. Além disso, a fotografia estabelece uma coesão visual através dos tons pasteis nos quais a história acaba mergulhada. Em paralelo, O Telefone Preto consegue superar um desafio auto imposto: contando com uma estrutura singular onde um determinado personagem “invade” alguns flashbacks, a produção se sai bem ao utilizar a imagem granulada (simulando um filmagem de Super 8) para diferenciar esses momentos, além de introduzir um fade out ao final de cada ataque do Sequestrador.
Depois de dedicar o início de sua carreira a filmes de terror como A Entidade e Livrai-nos do Mal, o cineasta Scott Derrickson retorna ao gênero como se nunca o tivesse deixado, mas não parece se empenhar para sair de sua zona de conforto, investindo em sustos pontuais construídos a partir de clichês (a utilização da luz de uma lanterna para revelar algo, por exemplo). E a montagem paralela do clímax, embora eficiente, revela-se uma “homenagem” a O Silêncio dos Inocentes, que empregou a mesma técnica, mas com efeitos infinitamente superiores em 1991.
Beneficiando-se de atuações sólidas do elenco mirim, O Telefone Preto pode até não entregar todos os sustos e arrepios esperados pelos fãs de terror, e o vilão pouco aproveitado também não ajuda nesse sentido, mas que não decepcionará aqueles que buscarem uma história envolvente.
NOTA 6
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