O Homem de Toronto | Dinâmica entre astros não redime falta de criatividade
Woody Harrelson é um dos atores mais subestimados de sua geração. Dono de uma filmografia invejável onde comprova sua versatilidade ao transitar por quase todos os gêneros com a mesma competência, a carreira de Harrelson é ainda mais prolífica do que a de astros como Brad Pitt, Tom Cruise, Johnny Depp e George Clooney, mas por algum motivo obscuro, acaba sempre escanteado. Nem mesmo as três indicações ao Oscar que recebeu, ou as participações em filmes de sucesso como Jogos Vorazes, Truque de Mestre, Planeta dos Macacos – A Guerra ou Zumbilândia são capazes de fazer o espectador médio lembrar o seu nome. Alguns podem alegar que o texano exagerou na escolha de papéis coadjuvantes, que se tornaram sua especialidade, mas produções marcantes como Proposta Indecente, Assassinos Por Natureza e O Povo Contra Larry Flynt foram protagonizadas por ele. Qual será o motivo, então? Talvez a falta de critério ao escolher papéis em filmes de qualidade duvidosa? Sendo esse o motivo, ou não, a verdade é que O Homem de Toronto cai como uma luva nessa possibilidade.
Escrito por Robbie Fox (do desastroso O Bom Partido) e Chris Bremner (de Bad Boys Para Sempre), o filme apresenta Teddy (Kevin Hart sendo Kevin Hart), um fracassado empreendedor que busca comemorar o aniversário de casamento com sua esposa (Jasmine Matthews, do bom A Guerra do Amanhã) num charmoso chalé. Porém, um erro de impressão acaba levando Teddy a outro local onde acaba sendo confundido com um temido torturador conhecido como “O Homem de Toronto” (Harrelson) que seria pego numa emboscada. Agora, Teddy é forçado pelo FBI a se passar pelo homem a fim de capturar um bandido ainda mais perigoso.
É claro que em algum momento, Teddy e Toronto irão se encontrar, mas o filme não faz o menor esforço para construir uma química entre os dois, deixando todo o trabalho para Hart, que faz o habitual papel do homem comum em situação extraordinária (com o adicional de ser desastrado) e Harrelson, que procura se divertir caprichando na cara de mau e nas poses durante as sequências de ação, deixando clara a intenção da produção de repetir a fórmula que fez de Um Espião e Meio um grande sucesso.
Por outro lado, ao contrário do que acontecia com o agente vivido por Dwayne ‘The Rock’ Johnson na comédia de 2016, aqui o roteiro mantém os personagens sempre distantes (“nunca mais me toque assim”, Toronto diz a Teddy durante um abraço), dificultando a criação de um elo entre os dois. Assim, quando finalmente a dupla se une, o momento surge artificial, destruindo os efeitos pretendidos pela dupla de roteiristas.
Além disso, as piadas não são exatamente muito inspiradas: quando não apelam para a escatologia (com direito a flatulências e vômitos), recorrem a momentos de improviso pouco criativos (aquele onde Teddy é confundido pela primeira vez) ou gags previsíveis (as que envolvem poetas do século XIX). Em contrapartida, a referência ao MSN pegará de jeito aqueles que já tiveram um Hotmail.
A direção de Patrick Hughes, tão competente no irreverente Dupla Explosiva (com Ryan Reynolds e Samuel L. Jackson), é irregular, funcionando apenas nas sequências de ação, onde o cineasta demonstra uma boa visão e emprega a quantidade certa de cortes, injetando energia sem sacrificar o entendimento do público. Mesmo assim, acaba esbarrando nas limitações do orçamento, que são escancaradas especialmente quando algo explode (exceto na sequência envolvendo uma bazuca e vários carros no terceiro ato).
Além disso, O Homem de Toronto é visualmente desinteressante, contando com uma fotografia burocrática que só brilha numa inventiva perseguição/tiroteio por corredores coloridos. Ainda assim, a montagem mantém o ritmo sempre acelerado, impedindo que o espectador se canse ou pare para pensar nos absurdos que está vendo e que não são poucos. Furos que vão desde o clássico momento em que o vilão, com a arma apontada para os mocinhos, deixa de atirar para fazer um longo e desnecessário discurso contando como os matará, até o básico, como a motivação de Toronto, revelando-se financeira apesar de sua confortável situação (e dos inúmeros maços de euros armazenados em gavetas de um imenso móvel em sua casa).
Recorrendo ao velho artifício do relógio (a contagem regressiva geralmente é utilizada para dar a impressão de uma coesão que não existe), O Homem de Toronto ainda comete o sacrilégio de desperdiçar a sempre divertida Kaley Cuoco (a Penny de The Big Bang Theory), que não possui mais do que quatro falas em seu minúsculo papel.
Nos poupando do infame costume de incluir erros de gravação durante os créditos, O Homem de Toronto é mais uma decepção na longa lista da Netlix, que não cansa de usar bons atores para promover o refugo que adquire de Hollywood.
E por falar em bons atores, chega a ser intrigante constatar que nesse mesmo ano, Woody Harrelson também esteve no elenco do grande vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes.
NOTA 4