"O Bom Professor" traz outro olhar para o assédio nas salas de aula
- Guilherme Cândido
- 20 de mar.
- 4 min de leitura

Os dramas escolares, ao menos aqueles focados nos professores ao invés dos estudantes, mudaram drasticamente a partir da virada do milênio. Se antes tínhamos histórias edificantes exaltando a virtuosidade de docentes capazes de lapidar até os mais brutos dos diamantes discentes, hoje em dia é comum acompanharmos narrativas onde esses educadores têm suas vidas viradas de cabeça para baixo. O aluno não é mais o sapo esperando o beijo do conhecimento para se tornar um príncipe. Os tempos mudaram a ponto dos estudantes perceberem ter força e disposição suficientes para derrubar o mais equilibrado dos professores. E não me refiro ao tipo de queda experimentada por Arnold Schwarzenegger no divertido Um Tira no Jardim de Infância (1990).
O longa-metragem dinamarquês A Caça, indicado ao Oscar em 2012, provavelmente foi o primeiro a tirar o docente do pedestal, trazendo-o para o mesmo patamar de seus alunos, ainda mais vis e maquiavélicos do que eram retratados no século XX. Depois, uma onda de dramas escolares sombrios inundou os cinemas do mundo inteiro, com obras notáveis como o francês Dentro de Casa (2012) e o excepcional A Sala dos Professores, representante da Alemanha no Oscar passado. Curiosamente, no mesmo ano, o estadunidense Alexander Payne tentou apelar às tradições com Os Rejeitados, mas nem o olho tonto de Paul Giamatti foi capaz de conter o estrago. O Bom Professor, (ou Pas de Vagues, no original), presente na seleção do Festival Varilux de Cinema Francês 2024, é o mais novo membro a integrar essa família de produções voltadas para as relações cada vez mais cáusticas entre mestres e aprendizes no âmbito escolar.

François Civil, transformado em astro após estrelar os ótimos Alerta Lobo e Amor à Segunda Vista no mesmo ano de 2019 é quem encarna Julien, profissional com atributos suficientes para fazer jus ao título da história que protagoniza. Ele ensina francês com paixão e domina a turma com pulso firme, mas sem perder a leveza. Esforça-se para nutrir uma relação de camaradagem com os alunos, mas sem perceber acaba sendo engolido pela imaturidade juvenil. Um simples exemplo prático, utilizando uma jovem tímida, é o bastante para transformar a sala num pandemônio sem a menor justificativa. A aluna deixa o local constrangida e Julien nem imagina o furacão que tomará conta de sua vida.

Embora esteja na moda abordar o assédio sexual, especialmente em narrativas escolares, essa experiência foi vivida pelo próprio cineasta Teddy Lussi-Modeste, que co-escreve o roteiro ao lado de Audrey Diwan (do mediano A Conexão Francesa), o que traz ainda mais peso para o caso. Talvez pelo caráter personalista, Modeste opte por afastar qualquer suspeita que pudesse recair sobre Julien, filmando cruamente e logo de cara o episódio fatídico. Essa decisão, claro, sacrifica grande parte do potencial de O Bom Professor, que honestamente, não tem muitas cartas na manga para virar o jogo.

Quem mantém a engrenagem funcionando é François Civil, intérprete cujas composições fascinam desde jovem. Aqui, ele reforça a vulnerabilidade de Julien, um sujeito idealista e de fortes princípios, mas que é surpreendido por lutar sozinho contra uma clara injustiça. Mas a melhor decisão de Civil é impedir o professor de ser encarado como mártir, fazendo questão de ilustrar seu comportamento errático. Não como falhas de caráter, mas por traços que lhe conferem humanidade. O fato de errar e persistir no erro, seja por bravura ou teimosia, é uma faca de dois gumes, podendo afastar ou atrair o público e esse é um dilema subestimado pelo roteiro.

Em seu terceiro longa-metragem, Teddy Lussi-Modeste, ávido por recontar precisamente o acontecimento que abalou sua carreira no magistério, tenta elencar os beats como uma bola de neve, mas a escalada é abrupta demais. Ao contrário de A Sala dos Professores, que também jogou luz sobre uma professora que colocava os princípios acima da racionalidade, O Bom Professor jamais alcança o mesmo impacto, pois não admite tempo suficiente para desenvolver as premissas de seu conflito. Ao invés de serem dispostas como peças se avolumando num tremendo megazord, os desentendimentos entre as comunidades docente e discente soam como obstáculos aleatórios, potencializados justamente para infernizarem a vida de um cara comum que só quer fazer a diferença, assim como é dito na cena mais tocante do filme.

Talvez fugindo de um final previsível, para o qual caminhava a passos largos, a trama só piora com as decisões questionáveis de Modeste e Diwan. Aparentemente inseguros quanto ao desfecho, eles optam por se afastar de uma conclusão mais objetiva, introduzindo uma sequência absolutamente intrusiva que até faz alusão a uma possível liberdade introjetada, mas que não passa de uma tentativa desonesta de mandar o espectador para fora do cinema com algum grau de satisfação.

No geral, O Bom Professor não chega a ser ruim. Executa com alguma competência o instigante primeiro ato, e mesmo que perca força no segundo, só chega a decepcionar mesmo ao final, embananando-se com uma pauta muito melhor desenvolvida por obras mais coesas.
NOTA 5,5