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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Não Olhe" falha ao apostar em convenções

Diante da convivência em sociedade e em prol da manutenção das convenções, todos nós já passamos por situações onde nossa resposta a determinada situação e/ou comentário passou por um filtro moral no qual nosso real pensamento não necessariamente foi refletido. Pode ser uma cortesia forçada, ou o perdão que suprime uma reação mais enfática apenas porque nos importamos com o interlocutor ou visamos a mera preservação do relacionamento. Afinal, nem todos ficam confortáveis em assumir as consequências de uma circunstância desagradável. Mas quem nunca pensou em ignorar tais convenções e agir completamente desgarrado de qualquer filtro social e/ou emocional? Pois Não Olhe (Look Away, no original) imagina exatamente um cenário como esse.


Nesse caso, assumimos o ponto de vista de Maria (India Eisley, de Anjos da Noite: O Despertar) uma típica adolescente de classe média alta que experimenta diariamente todos os tormentos do clássico colegial americano. Bullying, amizades falsas, as aulas chatas e aparentemente sem propósitos e, claro, o drama exagerado sobre tudo à sua volta fazem parte do pacote. E como se não bastasse a vida escolar conturbada, em casa, Maria é o alvo favorito de seu pai (Jason Isaacs, da série The OA), um cirurgião plástico que não hesita em apontar as imperfeições da filha, enquanto sua mãe (a sumida Mira Sorvino de O Poder e o Impossível) surge sempre passiva. As coisas mudam de figura quando, no ápice de seu sofrimento, Maria vê seu reflexo no espelho ganhar vida e se oferecer para tomar seu lugar e lhe devolver a felicidade. O nome dessa versão espelhada? Airam (Maria ao contrário).


O problema é que o longa escrito e dirigido por Assaf Bernstein jamais consegue mostrar uma motivação plenamente convincente para tamanha reviravolta na vida de sua protagonista. Assim como a polêmica série 13 Reasons Why, Não Olhe é recheado de “white people problems” (situações onde vemos brancos privilegiados “sofrerem” com problemas triviais). Para alguém vindo de uma família abastada, o ônibus escolar surge como um verdadeiro terror (digno de repúdio) e a solução perfeita é pegar uma carona no Porsche da melhor amiga, que não cansa de se gabar de sua máquina possante. E repare na quantidade de negros durante a projeção.


Sofrimento de ricos à parte, Bernstein se debruça confortavelmente sobre um amálgama de clichês e estereótipos, mas em nenhum momento segue uma linha narrativa. Não funciona como terror adolescente, pois além de carecer de sustos e arrepios, sequer oferece mortes criativas e o caráter psicológico da condição de Maria é escanteado para dar lugar a outras oportunidades igualmente desperdiçadas.


Sim, o reflexo maligno de Maria é a personificação de suas frustrações reprimidas (principalmente a falta de amor), mas seria fruto de sua mente deprimida ou, de fato, algo fantástico ou sobrenatural? No início da projeção vemos uma imagem de ultrassonografia mostrando dois bebês fundindo-se e há conversas sobre isso entre Maria e seus pais, mas a questão da deformação e a obsessão de seu pai com a beleza embaçam qualquer traço de definição.


E mesmo que a narrativa se disperse em meio à vastidão de possibilidades, os conflitos psicológicos são intrigantes o bastante para manter a atenção do espectador, que aguarda o desfecho enquanto testemunha a mente de Maria se abrir como uma cebola, onde cada camada é representada por uma faceta diferente. Nesses momentos, vemos a jovem India Eisley entregar-se com coragem, compensando sua oscilação nos momentos mais dramáticos. Enquanto isso, Jason Isaacs acomoda-se confortavelmente no papel que vem desempenhando há anos em Hollywood, ao passo que Mira Sorvino, distante dos holofotes, oferece uma performance aquém de seu talento, convertendo a mãe da protagonista numa figura inócua.


Beneficiando-se de um design de produção competente que reflete a atmosfera fria e triste que permeia toda a história (note o céu sempre nublado), Não Olhe começa trilhando o caminho de Carrie – A Estranha, mas lá pelo meio perde-se em atalhos, sofre com lombadas e chega a um destino representado por um insosso thriller adolescente.


NOTA 4,5



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