Novo "Pantera Negra" supera trama convoluta com tributo emotivo
Depois do sucesso acachapante de Pantera Negra em 2018, primeiro filme de super-herói a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme (além de outras 6 indicações e 3 prêmios), mais de 1.3 bilhão de dólares em bilheterias e um prestígio junto a crítica que fez da produção um marco cultural, a pressão em cima da inevitável continuação já parecia grande o bastante.
Entretanto, a notícia da morte do protagonista Chadwick Boseman aos 43 anos, decorrente de uma silenciosa batalha perdida para o câncer de cólon, chocou o mundo e levou o roteiro da aguardada continuação de volta à estaca zero. Assim, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre chega aos cinemas com numerosas expectativas, tendo de se equilibrar sobre a ideia de homenagear seu astro falecido e ao mesmo tempo dar prosseguimento aos planos da Marvel para seu universo cinematográfico.
O longa já começa esclarecendo a principal dúvida do espectador, selando o destino do rei T’Challa num dos prólogos mais emotivos da Marvel e que dá espaço para o público se juntar aos personagens no luto que tomará boa parte da narrativa. Num inevitável flerte com a metalinguagem, Pantera Negra 2 borra pontualmente a fronteira entre ator e personagem, não economizando nas reverências ao rei, vastamente referenciado por imagens de Boseman, que ganha uma homenagem na tradicional vinheta do estúdio e deve emocionar os fãs logo de cara.
A partir daí, a história reconhece o vácuo de protagonismo representado pela ausência do antigo Pantera Negra, algo organicamente refletido pela alternância de foco entre os personagens centrais, mas sacramentado pelos discursos da rainha Ramonda (Angela Bassett), necessária para deixar claro ao mundo que Wakanda permanece forte, ainda que dolorida pela perda de seu líder. Afinal, após os eventos de Pantera Negra, o vibranium passou a ser o minério mais cobiçado do mundo, despertando o interesse de potências econômicas como França e Estados Unidos, que não demoram a procurar justificativas (as famigeradas “armas de destruição em massa”) para obrigarem a nação africana a entregar seu bem mais precioso.
Para piorar, os estadunidenses finalmente conseguem encontrar uma fonte de vibranium fora de Wakanda, mas esbarram nos limites de uma misteriosa sociedade submarina liderada por Namor (Tenoch Huerta Mejía), que não hesita em eliminar todos os envolvidos na missão, fazendo com que as suspeitas do contra-ataque recaiam sobre Wakanda, que é impedida por ele de revelar sua existência para o mundo sob pena de uma guerra. Pois Talokan é uma comunidade ainda desconhecida, como Wakanda antes do discurso de T’Challa na ONU, e Namor não possui a menor intenção de mudar essa situação.
Como é de se imaginar, o que era para ser uma obra feita sob medida para homenagear Chadwick Boseman e o legado do Pantera Negra, se transforma numa intricada trama envolvendo política e intrigas internacionais. Assim, os roteiristas Ryan Coogler e Joe Robert Cole se complicam ao investirem em várias frentes narrativas, resultando numa experiência dispersa e inchada (são 161 minutos de projeção). Pesa contra a dupla a necessidade de apresentar Namor e Talokan, seu reino, consumindo mais um precioso tempo que poderia ser destinado ao desenvolvimento da trama principal ou a relação entre suas personagens principais. Aqui, mais do que em qualquer outra obra do MCU, há a clara exigência por incluir uma história de origem, fazendo com que a narrativa seja interrompida para que nos concentremos em Namor, já que provavelmente será utilizado em filmes futuros do estúdio. O mesmo acontece com Riri Williams (Dominique Thorne), descartável coadjuvante, mas que precisava chegar ao grande público a fim de promover a vindoura série Coração de Ferro no Disney+.
Não que seja desinteressante acompanhar a trajetória do mutante ou conhecer sua cultura, muito pelo contrário, pois Talokan surge como um reino extremamente diferente da Atlântida de Aquaman, por exemplo. E já que as comparações com o super-herói da DC são praticamente inevitáveis, é preciso dar créditos à produção deste novo Pantera Negra, que teve a coragem de modificar as origens de Namor justamente para distanciá-lo de sua contraparte dos quadrinhos (Aquaman surgiu dois anos mais tarde). Com isso, sai Atlântida, entra Talokan, inspirada na civilização Maia e que incorpora mais uma cultura ao portfólio Marvel.
Enquanto a Atlântida do filme com Jason Momoa chamava atenção pelo visual extravagante, com luzes e cores, Talokan é um lugar escuro como não poderia deixar de ser (fica nas profundezas do oceano, afinal), exibindo uma arquitetura mais próxima dos corais e sem a opulência vista no filme da concorrência. Em contrapartida, se Aquaman adotava soluções criativas para problemas de comunicação e movimentação embaixo d’água (com bolhas de ar, por exemplo), a Marvel não parece ter se preocupado muito com isso, o que não chega a ser uma surpresa quando lembramos de sua relação tradicionalmente conturbada com o departamento de efeitos visuais.
Nesse ponto, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre empalidece quando comparado ao seu antecessor: Assim como em quase todas as produções do Marvel Studios, aqui o CGI passou muito longe de ser encarado como uma prioridade. Em alguns momentos é possível notar o contorno dos atores em falhas de iluminação que evidenciam o uso excessivo de tela verde. Todavia, nada se compara às inacreditáveis sequências que se passam nas ruas de Wakanda, com o fundo desfocado que parece diretamente saído de um game mal renderizado. Aparentemente, além da escuridão e da fumaça, o 3D também passou a ser um recurso utilizado para baratear os custos com efeitos visuais, já que as convencionais sessões em 2D (que escancaram o engodo) são minoria hoje em dia.
Por outro lado, o novo filme possui sequências de ação que não devem decepcionar, contando com um raro e eficaz uso da câmera lenta, que ao invés do raso aproveitamento estético, contribui narrativamente, reforçando o impacto de determinados momentos. Méritos para o diretor Ryan Coogler, especialista na construção de atmosferas carregadas e que aqui faz mais um trabalho elogiável (repare no clima de terror que rege a primeira cena de Namor). Já a trilha sonora de Ludwig Göransson, outro premiado pela Academia, acerta ao repetir os ótimos acordes de seu trabalho anterior, introduzindo um tema eletrônico que cai como uma luva para Shuri.
Interpretada novamente por Letitia Wright, que com sua postura antivacinação atrapalhou o cronograma de filmagens durante a pandemia, Shuri acaba sendo a escolhida para preencher a lacuna deixada pelo T’Challa de Chadwick Boseman. É curioso notar, entretanto, o processo elaborado pelos roteiristas para posicioná-la não apenas como protagonista, mas também como a líder inquestionável dos wakandanos. Embora a primeira metade se certifique de apostar (acertadamente) no talento e na imponência de Angela Bassett como a rainha Ramonda, aos poucos fica claro que a ideia é propiciar uma espécie de preparação para a princesa, como uma história de origem para a próxima Pantera Negra, estabelecendo uma rima temática com o primeiro filme ao mostrar que o herói é forjado a partir de perdas. E se tratando de uma jovem tão incauta como Shuri, resistente à ideia de suceder ao irmão, tragédias são mais eficazes do que cicatrizes de batalhas, resultando num arco dramático que cumpre com louvor a tarefa de apresentá-la como candidata ideal ao cargo de protetora de Wakanda.
Por fim, o terceiro ato, que recicla a mesma estrutura da batalha final do longa anterior – enquanto em Pantera Negra rinocerontes apareciam para salvar o dia pouco antes do surgimento de M’Baku, aqui as surpresas recaem sobre outros dois personagens – se mostra o mais fraco da narrativa, evidenciando lapsos imperdoáveis do roteiro. Se o segundo ato já dava sinais do que estava por vir, com Namor invadindo Wakanda para matar uma "cientista", mas esquecendo de seu objetivo no meio do caminho, ou Nakia sozinha sendo capaz de entrar em Talokan e sair sem ser notada, o final reserva outras perguntas: como dois personagens, em pleno deserto, conseguem voltar para casa (e em tão pouco tempo) se a única nave disponível havia sido completamente destruída? E como explicar o momento em que uma lança de vibranium atravessa o abdômen de um personagem, mas é retirada sem uma gota de sangue (a beleza da classificação indicativa...) e não gera a menor consequência?
E já que estou mencionando o final, o anticlímax da última grande batalha ao menos é compensado por uma sequência pós-créditos emocionante e que só reforça a ideia de que Pantera Negra – Wakanda Para Sempre seria um filme muito mais poderoso e satisfatório caso se contentasse em contar uma história simples e que se concentrasse no luto e no amadurecimento de Shuri.
O resultado que chega aos cinemas, diga-se de passagem, passa longe de ser ruim e tem tudo para ser aprovado pelos fãs, que deverão abraçar as boas intenções do projeto.
NOTA 6,5
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