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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Na Sua Casa ou Na Minha?" engrossa lista de comédias românticas esquecíveis da Netflix


É curioso notar a ironia presente em Na Sua Casa ou Na Minha?, novo Original Netflix, que logo no início aponta uma série de elementos presentes no estilo de seus personagens como sendo típicos de 2003, quando o próprio filme, uma comédia romântica estrelada por Reese Witherspoon e Ashton Kutcher, parece ter saído diretamente dessa época. Três anos antes de receber o Oscar de Melhor Atriz por Johnny & June, Witherspoon, transformada em estrela graças aos sucessos de Eleição e Legalmente Loira, equilibrava sua carreira entre produções açucaradas e filmes autorais, ao passo que Ashton Kutcher, surfando na onda da fama adquirida com a série That’s 70’s Show, preparava o terreno para se tornar o rosto oficial das comédias românticas. Por outro lado, nem mesmo esse par é suficiente para salvar o roteiro de sua falta de personalidade. Em outras palavras, embora tenha os ingredientes certos, falta tempero ao novo enlatado com selo Netflix de qualidade.

Witherspoon e Kutcher são Debbie e Peter, que há vinte anos dormiram juntos uma vez e decidiram trocar o arriscado comprometimento amoroso por uma amizade forte e duradoura (a ponto de se falarem diariamente por horas ao telefone). Levando vidas completamente opostas, ela é uma típica mãe divorciada de Los Angeles que dedica 100% do seu tempo ao filho; Ele é um especialista em marketing bem sucedido que mora num luxuoso apartamento em Nova York, onde nutre um estilo de vida marcado pelos excessos. Quando Debbie decide cancelar uma viagem por não ter alguém para ficar com o filho, porém, Peter se oferece para ajudar, esperando que suas boas intenções compensem a falta de tato com crianças.

E é aqui que o roteiro começa a mostrar preocupantes sinais de esquizofrenia. Se inicialmente, Na Sua Casa ou Na Minha? parece querer seguir os passos de Harry e Sally: Feitos Um Para o Outro, investindo na tela dividida e mostrando o contraste daquela relação íntima, mesmo que à distância, depois abandona essa dinâmica e passa a emular os beats daquelas comédias em que o adulto descolado, mas irresponsável, quebra a monotonia da rotina de uma criança. No meio do caminho, porém, a produção se lembra de que é uma comédia romântica e esporadicamente inclui alguns clichês desse subgênero, como os amigos confidentes que servem para extravasarem os sentimentos dos protagonistas e até a famigerada briga que antecede o final apoteótico num aeroporto.

Tudo isso embalado numa narrativa conduzida sem a menor inspiração por Aline Brosh McKenna, que por sinal também é autora do roteiro. Apesar de ser uma diretora de primeira viagem, McKenna possui larga experiência como escritora de comédias românticas, com O Diabo Veste Prada, Uma Manhã Gloriosa e Leis da Atração entre seus maiores sucessos. Portanto, é surpreendente que seu mais recente trabalho falhe tão miseravelmente tanto no humor, quanto no romance. Também, verdade seja dita, McKenna é sabotada por uma montagem displicente, que deixa passar um absurdo como a gag em que Peter arremessa seu celular após ver um vídeo íntimo de Debbie (o aparelho, que estava caindo em linha reta, muda bruscamente de direção no corte seguinte, ganhando velocidade e quebrando um objeto), por exemplo. Já o ritmo é prejudicado principalmente pela ‘barriga’ narrativa representada pela presença descartável do jardineiro vivido por Steve Zahn, tão desperdiçado quanto a ótima Tig Notaro, que cumpre bem o papel como ‘conselheira’ de Peter.

Enfileirando convenções com a certeza de que os assinantes farão vista grossa, Na Sua Casa ou na Minha? ao menos tira bom proveito de seu elenco, já que Reese Witherspoon e Ashton Kutcher estão confortavelmente no mesmo tipo de personagem que interpretam há décadas. Kutcher, voltando às telonas após um longo período tratando de uma vasculite rara, demonstra não ter perdido a habilidade de usar seu carisma para driblar suas limitações como intérprete, ao passo que Witherspoon mostra-se um pouco mais contida que o habitual, ainda que certeira como mãe carinhosa e de rotinas meticulosas, exibindo paralelos divertidos com sua personagem de Eleição, seu primeiro grande sucesso.

Esforçando-se arduamente para conseguir arrancar no máximo alguns sorrisos e torcendo para que sua atmosfera leve e simpática conquiste o coração dos espectadores menos exigentes, Na Sua Casa ou Na Minha? é mais uma daquelas comédias românticas feitas exclusivamente para rechearem o catálogo da Netflix, que após Amor Com Data Marcada, Amor Garantido, Continência ao Amor e Amor em Verona, segue firme e forte para se tornar o streaming número um dos pombinhos.


NOTA 5


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