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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Não Abra!" é simplista e óbvio demais para espectadores adultos


O Terror é um gênero que costuma oferecer boas oportunidades para diretores iniciantes. Geralmente produzido com um orçamento enxuto, esse tipo de filme também tende a contar com a boa vontade de parcela considerável do público. Afinal, se o roteiro não é grande coisa, mas rende alguns sustos, já valeu a experiência para os espectadores menos exigentes. Agora, quando estamos diante de um roteirista minimamente ambicioso, o Terror pode gerar verdadeiras maravilhas. Isso porque também possibilita adotar alegorias para se discutir temas complexos.


Os monstros estarão lá, mas às vezes os verdadeiros desafios a serem superados não possuem uma forma física. E algumas obras se tornaram clássicas justamente por construírem boas metáforas, como Carrie – A Estranha, Halloween e O Bebê de Rosemary. Seguindo os passos de mestres como John Carpenter e George A. Romero, Jordan Peele desponta como um dos diretores contemporâneos que melhor constroem alegorias dentro dessa estrutura, geralmente embutindo questões raciais em longas sinistros, como os ótimos Nós e Não! Não Olhe! Em Não Abra! (quem escolhe esses títulos?), o cineasta estreante Bishal Dutta tenta engrossar a lista citada no parágrafo anterior, seguindo fielmente a cartilha dos bons filmes de terror, mas se revela aquém do desafio.

Na trama, também escrita por Dutta, Samidha (Megan Suri, de séries adolescentes da Netflix como Eu Nunca e Atypical) é uma adolescente filha de imigrantes indianos que vive um conflito de identidade cultural. Em casa, ela é acusada pela mãe de renegar as tradições de seu país de origem. Na escola, se esforça para não ser encarada como uma forasteira, tentando absorver os costumes estadunidenses (tanto que prefere ser chamada de Sam do que de Samidha). As coisas ficam ainda piores quando uma amiga de infância liberta acidentalmente uma entidade maligna supostamente ligada à Mitologia Hindu, fazendo com que Sam precise se reconectar aos seus ancestrais para impedir que tragédias aconteçam.

Desta forma, Bishal Dutta, diretor e roteirista indiano, mal consegue disfarçar sua verdadeira intenção de fazer de It Lives Inside (no original) um veículo para difundir a cultura de seu país e gerar identificação com os mais de três milhões de conterrâneos que vivem atualmente nos Estados Unidos (uma massa demográfica maior, inclusive, que a dos mexicanos, por exemplo). O problema é que o enredo concebido para abarcar esses elementos é genérico demais para sustentá-los. E quando Dutta tenta compensar suas fragilidades dramáticas com investidas no terror, o resultado é ainda mais frustrante, revelando sua falta de repertório. Repare no excesso de sequências envolvendo pesadelos e nos incontáveis establishing shots (tomadas da casa da protagonista) e você constatará um realizador de estratégias repetitivas.

Sua criatividade limita-se a repetir os mesmos corpos se contorcendo (com sons de ossos se quebrando) e alucinações escuras que tantos outros colegas empregam atualmente. Sua preocupação em combater a visão preconceituosa que os norte-americanos têm do seu povo, é válida, afastando a aura exótica que os costumes hindus possuem, mas o discurso não vai além do óbvio, trazendo diálogos artificiais que martelam as problemáticas envolvendo não apenas o contraste cultural, mas a própria imigração. Até o desfecho acaba sendo previsível demais na sugestão simplista de que uma reconciliação entre mãe e filha será o bastante para restabelecer a harmonia.

Já os efeitos visuais não são diferentes: protagonista de sequências obscurecidas para disfarçarem as limitações orçamentárias, a tal entidade se materializa como uma criatura sem qualquer traço de originalidade (quem assistiu ao ligeiramente superior Boogeyman – Seu Medo é Real notará várias semelhanças) e confusa em relação aos seus poderes. Ele só é invisível como o Predador ou é também intangível como o Flash? Só ataca no escuro ou também na claridade? Independentemente das respostas, a verdade é que a criatura sempre escolhe a melhor pose para ser enquadrada. Contando com um flashback absolutamente ridículo ao final, mas não menos constrangedor do que a açucarada sequência que fecha bruscamente o arco principal, o filme transmite uma mensagem que talvez seja otimista e simplório demais para espectadores adultos.

Num ano irregular onde já fomos presenteados com o ótimo Fale Comigo, mas também tivemos de aguentar o sofrível A Freira 2, Não Abra! chega aos cinemas com altas pretensões, mirando na complexidade do primeiro, mas infelizmente só conseguindo se aproximar do segundo.


NOTA 4

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