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"Máquina do Tempo" compensa derivações com esmero técnico

Foto do escritor: Guilherme CândidoGuilherme Cândido

Lola, no original, está chegando com um atraso tremendo aos cinemas e não me refiro aos quase três anos que separam sua aclamada estreia no Festival de Locarno com este lançamento nos cinemas brasileiros. Afinal de contas, essa produção irlandesa é nada mais do que um daqueles longas-metragens de “filmagens encontradas” (ou found footage, no inglês hollywoodiano), um artifício tão explorado a partir da segunda metade dos anos 2000 que acabou se tornando um subgênero por si só. Não bastasse esse modelo desgastado, a trama resolve brincar com viagem no tempo, trazendo conceitos também abundantemente aproveitados por obras superiores, especialmente Efeito Borboleta (2004). No entanto, se mesmo assim há certa atratividade na história de duas irmãs órfãs bagunçando a linha temporal, isso se deve às habilidades visuais do diretor Andrew Legge.

Autor de quatro elogiados curtas-metragens, incluindo The Chronoscope (2009), uma influência inquestionável para seu debute nos longas, o irlandês fez questão de rodar seu filme de época como... um filme de época. Para isso, usou lentes e equipamentos sonoros especiais (leia-se arcaicos, da época retratada), tornando a experiência impactante justamente por seu aspecto imersivo. Portanto, A Máquina do Tempo não tem a menor dificuldade em nos convencer de que se passa durante um período crucial da Segunda Guerra Mundial.

O que talvez seja mais difícil de engolir e aumente a necessidade da suspensão da descrença é também um problema comum em narrativas de filmagens encontradas, quando a câmera precisa estar ligada a todo momento e sempre apontada para a ação. Por se passar na década de 40, esperava-se uma dificuldade maior para documentar as peripécias de Lola, a magnífica monstruosidade semelhante a uma televisão vintage que capta sons e imagens diretamente do futuro. O estoque de rolos de filmes e o próprio aparelho jamais impõem qualquer obstáculo às irmãs, que são interpretadas com carisma por Emma Appleton e Stefanie Martini, embora haja um componente teatral que vicia seus desempenhos. No geral, há presença e personalidade suficientes para manter a história de pé, enquanto o roteiro assinado por Legge e Angeli Macfarlane fazem o resto.

Os melhores momentos de A Máquina do Tempo são aqueles que ilustram as consequências das intervenções temporais, como a remoção de David Bowie no futuro, rendendo um dos diálogos mais divertidos dos parcos 79 minutos de projeção (“talvez ele ainda exista, mas tenha tido uma infância diferente e se tornado dentista”). As passagens mais sérias, especialmente após a entrada dos militares na história, fazem o espectador sentir o peso da falta de originalidade e nem mesmo a sequência ao som de “You Really Got Me”, do The Kinks, ou os hinos nazistas captados do futuro alternativo (criativamente concebidos pelo compositor Neil Hannon), servem para nos fazer esquecer de inspirações óbvias como a série O Homem do Castelo Alto (2015-2019) ou o espetacularmente complexo Primer (2004).

Em tempos nos quais a originalidade se revela a matéria-prima mais rara do ecossistema cinematográfico, Andrew Legge merece créditos por equilibrar a natureza derivativa de seu projeto com diferenciais técnicos capazes de oferecerem um algo a mais aos espectadores, cada vez menos propensos a deixarem seus lares e plataformas de streaming para irem ao cinema. Se não dá para seduzir através do conteúdo, que o faça pela embalagem.


NOTA 6,5

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