"Morto Não Fala" é um terror brasileiro de qualidade
Não é de hoje que o Cinema Brasileiro comercial carece de obras do gênero terror. Nem parece que vivemos no país de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, o legítimo rei do terror brasileiro. É uma pena que somente de vez em quando surja alguém para desafiar os padrões, como foi o caso de Tomás Portella e seu Isolados (2014) e, mais recentemente, J.C. Feyer com O Rastro (2017). Portanto, quando Morto Não Fala foi anunciado, muitos acompanharam sua produção com um misto de ansiedade e receio.
Felizmente, o diretor Dennison Ramalho, estreante em longas, mas experiente como roteirista, parece ter entendido todos os mecanismos do gênero, concebendo uma história que faz o uso perfeito do terror para discutir um tema maior, no melhor estilo George A. Romero. Aqui, Ramalho discute a violência urbana, dando voz a um protagonista residente da periferia e cujo trabalho é pouco representado no Cinema.
Daniel de Oliveira é quem interpreta o protagonista, Stênio, que faz plantão num IML de São Paulo. Por outro lado, ao contrário do que sua vida banal possa sugerir, Stênio tem o dom de se comunicar com os mortos, conseguindo ouvir e ser ouvido pelos cadáveres que recebe no necrotério. Mas após descobrir estar sendo traído por sua esposa, Odette (Fabiula Nascimento), resolve quebrar a regra dos mortos e usar uma informação obtida do além para jurar de morte Jaime (Marco Ricca), o ricardão.
Evidentemente, Morto Não Fala inclui quase todas as convenções do Terror, investindo em vultos cruzando a tela e os famigerados sobressaltos na trilha sonora, mas Dennison Ramalho vai além e abraça o trash, conferindo certa precariedade a alguns aspectos da produção, principalmente nos bizarros efeitos visuais utilizados para a animação dos cadáveres. Além disso, o roteiro simplesmente escancara lacunas importantes, como ao mostrar os filhos de Stênio frequentemente sozinhos ou no hilário momento onde um morto se levanta para fazer uma pergunta e é respondido por outro funcionário do IML, que reage com naturalidade (!).
Nas entrelinhas, porém, o roteiro de Ramalho busca uma reflexão acerca da violência urbana, introduzindo facções criminosas e aproveitando o sensacionalismo da mídia. Complementando, há também um pertinente comentário sobre o machismo que toma conta da trama a partir dos motivos egoístas de Stênio, cuja culpa pela morte da esposa jamais é negligenciada pela história, o que não deixa de ser admirável.
Stênio é vivido por um Daniel de Oliveira (Aos Teus Olhos) que não economiza nos olhos arregalados e nos arroubos de fúria, destacando-se nas sequências de pesadelo, ao passo que Fabiula Nascimento compensa a falta de carisma na fase “viva” de Odette com uma forte presença “fantasmagórica” corroborada pelo bom trabalho da maquiagem.
Maquiagem esta que ajuda a construir algumas sequências realmente assustadoras. Afinal, quando não está apelando para o som alto da trilha sonora, Morto Não Fala também é capaz de provocar arrepios, como nos momentos a la Atividade Paranormal e às aparições de Odette. Já o design de som representa um desserviço, tanto nos diálogos (abafados) como nas set-pieces. Seguindo por esse caminho, a trilha sonora surge apropriadamente irregular, constituindo-se de três ou quatro estilos completamente distintos entre si.
É uma pena portanto que a história jamais abrace o trash de vez: há momentos marcantes como o do pesadelo com linhas banhadas em cerol ou toda a sequência da possessão de Odette no terceiro ato, mas, no geral, o filme é prejudicado por um estilo que só introduz o trash homeopaticamente e a partir do segundo ato.
Funcionando como terror ao ser responsável por algumas das melhores sequências do gênero brasileiro nos últimos anos, Morto Não Fala também abusa do gore para incrementar seus sustos, resultando numa experiência satisfatória e que transmite esperança para os amantes do bom e velho terror, seja trash ou não.
NOTA 7
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