"Midsommar" aposta em espiral de excentricidades, mas derrapa no ritmo
Com Hereditário, seu longa-metragem de estreia, o diretor/roteirista nova-iorquino Ari Aster revelou que não se interessa por fórmulas superficiais. Mesmo abraçando o horror, Aster deixou as convenções de lado e arquitetou uma estrutura narrativa que girava em torno de uma família à beira do colapso em função do luto. No meio de sua proposta, havia um componente sobrenatural que cumpria as demandas dos fãs do gênero, mas nada era mais importante à Aster do que a jornada emocional de seus protagonistas. Em Midsommar, o cineasta volta a jogar luz sobre personagens problemáticos, buscando um olhar aprofundado sobre relações corroídas. Aos 33 anos, ele consolida-se não como um mero diretor de filmes de terror, mas como um autor que usa o horror como gatilho emocional.
Mais uma vez escrevendo e dirigindo, seu novo longa-metragem segue Dani (Florence Pugh, de Lady Macbeth), que após passar grande parte da vida padecendo com a bipolaridade da irmã e sufocando seu namorado, Christian (Jack Reynor, de Transformers: A Era da Extinção), acaba de sofrer uma perda terrível. Diante da tragédia, Christian, que planejava terminar o relacionamento, resolve adiar sua decisão e convida Dani para uma viagem com seus amigos até a Suécia, afim de aproveitar as festividades do solstício de verão em uma pequena comunidade interiorana. Entretanto, os problemas começam a surgir à medida que as tradições dos habitantes do lugar vão se revelando cada vez mais excêntricas.
Adotando uma estrutura lenta e que lhe permite desenvolver a história com paciência, Aster é hábil ao utilizar o primeiro ato para estabelecer elementos fundamentais da vida de Dani e Christian, que rapidamente se revelam como um casal em crise: Enquanto ela se vê fragilizada pelos problemas da irmã, recorrendo a Christian como seu porto seguro, ele não enxerga o relacionamento da mesma forma, demonstrando insegurança em assumir o papel de âncora emocional, como fica claro na sequência onde as ligações insistentes de Dani o fazem expressar um misto de desconforto e pena, ao invés de um genuíno sentimento de preocupação com a namorada. Esse desconforto, aliás, é plenamente transmitido ao espectador que, mesmo sensibilizando-se com a situação da moça, é contagiado por essa incômoda sensação de que algo não se encaixa no relacionamento.
Nesse aspecto, Aster é brilhante ao transformar essa sensação em atmosfera, com o terror servindo como alegoria natural. Pois os acontecimentos na comunidade Haarga provocam (ao menos no início) a mesma percepção. Some a isso um apuro técnico ainda mais refinado do que o de Hereditário e temos um primeiro ato praticamente irrepreensível: investindo em movimentos de câmera pouco ortodoxos, mas que representam diferentes significados dentro da diegese, como a tomada que acompanha um veículo em movimento até virar de cabeça para baixo – ilustrando com sofisticação a jornada prestes a ser encarada pelos personagens, Aster talvez exagere nas tomadas aéreas, ainda que estas jamais deixem de provocar encantamento ante a beleza das paisagens florestais. E seria impossível falar de movimento de câmera sem mencionar o ótimo raccord utilizado como transição entre um apartamento e o banheiro de um avião.
Em contrapartida, o cineasta parece fascinado em demasia pela cultura Haarga, mergulhando o espectador nos costumes locais e gastando um tempo precioso em rituais extensamente detalhados. O resultado é um segundo ato irregular, com passagens desconjuntadas e que só se provam redundantes, numa série interminável de refeições ao ar livre com longas pausas silenciosas e vastos discursos explicativos. Nem mesmo as boas piadas servem para compensar a incômoda barriga que se forma na metade da projeção. Por falar em piadas, Will Poulter (da trilogia Maze Runner), comprova sua versatilidade ao esbanjar um ótimo – e surpreendente – timing cômico como o divertido e pouco confiável Mark, cuja obsessão em copular com uma sueca parece ser seu único objetivo na viagem. É uma pena que alguns acertos, como o supracitado aproveitamento de Poulter, sejam deixados de lado em prol da insistência de Aster em detalhar o cotidiano Haagar.
Essa insistência, vale reiterar, além de contribuir para a dilatação da história – cuja duração ultrapassa as duas horas e vinte minutos – diminui o tempo de tela de uma série de personagens que, simplesmente desaparecem em determinados momentos. É o caso do deficiente físico que aparece apenas para mostrar ao público quem está responsável pela escritura sagrada do lugar, ou os amigos de Pelle (Vilhelm Blomgren). Pelle, aliás, jamais encontra tempo de tela suficiente para esclarecer suas intenções: em um momento ele incorpora uma espécie de “agente da discórdia”, em outro dá um repentino beijo em determinada personagem. E por mais que se possa argumentar sobre sua função dentro da comunidade (peregrinar e atrair forasteiros), sua vontade, ao contrário de sua personalidade afável e extremamente simpática, não fica clara.
O que nos leva a Florence Pugh, que depois de sua excepcional performance em Lady Macbeth, consolida-se como uma das mais promissoras atrizes de sua geração. Competente ao expressar toda a angústia de Dani e sua transição emocional, Pugh consegue transmitir os sentimentos de sua personagem com pequenos gestos, seja através do olhar incrédulo diante de uma morte brutal, ou o choro esganiçado de alguém que acreditava não ter mais o que perder. A britânica é intensa e sutil ao mesmo tempo, assumindo a composição física de uma pessoa cujo interior é dominado por um turbilhão de emoções, por meio de um caminhar de passos curtos e lentos, olhos frequentemente perdidos e ombros curvados para a frente, sempre enrijecidos.
Por mais tresloucada que a trama se torne conforme se aproxima de seu desfecho, Florence Pugh permanece firme, como uma força inabalável (e admirável) diante de absurdos que devem surpreender até o mais heterodoxo dos espectadores, com direito a uma das cenas de sexo mais estapafúrdias, inacreditáveis e – consequentemente – hilárias da história recente do Cinema. Em contrapartida, é uma pena constatar, mas a segunda metade de Midsommar presta-se ao insólito trabalho de oferecer uma sucessão de bizarrices cada vez mais inusitadas. A essa altura, a trajetória emocional de Dani fica para trás e somos completamente absorvidos pela espiral nonsense do roteiro.
No final das contas, Midsommar tropeça justamente no aspecto que fez de Hereditário tão memorável: a capacidade de aterrorizar o espectador sem apelar para o susto fácil. Se antes a intenção era provocar o medo através da atmosfera, a intenção de criar uma montanha-russa de excentricidades sabota as chances de amedrontar seu público.
NOTA 7,5
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