"Meu Ex é um Espião" funciona melhor como ação
A ideia de colocar pessoas normais em circunstâncias especialmente adversas não é das mais originais. Seja para estruturar um filme de ação, uma comédia ou uma combinação de ambos, essa fórmula já deu muito certo antes, em filmes como o excelente True Lies e o recente Um Espião e Meio. Mas em Meu Ex é um Espião, essa estrutura tinha tudo para ficar ainda melhor, pois com o protagonismo dividido entre duas mulheres, abriu-se uma ótima oportunidade de explorar temas interessantes relacionados ao feminismo e que estão em voga graças ao ativismo cada vez mais forte das atrizes hollywoodianas.
O problema é que esse suposto diferencial cai por terra a partir do momento que percebemos que o roteiro escrito por David Iserson (de séries de TV como Mad Men e New Girl) e pela diretora Susanna Fogel (Parceiras Eternas) está interessado apenas no humor fácil, escanteando o potencial da trama.
Por falar em trama, aqui acompanhamos a vida da balconista Audrey (Mila Kunis), que vira do avesso assim que descobre que seu namoro recém terminado com Drew (Justin Theroux) tem relação direta com seu emprego secreto como espião da CIA. A partir daí, uma sucessão de acontecimentos absurdos coloca a vida de Audrey e de sua melhor amiga Morgan (Kate McKinnon) na mira de uma perigosa organização que busca informações sobre o paradeiro de um importante objeto escondido por Drew.
E quando eu digo “absurdos”, não estou exagerando, pois de uma hora para outra, Audrey e Morgan simplesmente abandonam seus empregos para viajarem pelo mundo, passando por lugares como Áustria e Alemanha enquanto os limites da suspensão de descrença vão paulatinamente sendo ultrapassados.
Além disso, a produção exibe uma evidente falta de inspiração na construção das gags, alcançando resultados que provocam desde um singelo sorriso, como na boba sequência que envolve um carro roubado, até o constrangimento de piadas envolvendo diarreia e vagina. Para piorar, nem mesmo essas “piadas” são construídas de maneira eficaz, já que surgem tão repentinamente quanto terminam.
Destaque na atual temporada do Saturday Night Live, Kate McKinnon (tão divertida em Caça-Fantasmas), carrega nos ombros todo o peso de uma história sem a menor vocação para o riso. Assim, ela não tem dificuldade em se transformar no grande destaque do projeto, mesmo sem ter seu timing cômico minimamente exigido. Investindo no humor físico e numa composição que faz de Morgan uma verdadeira lunática, McKinnon se sai infinitamente melhor que sua colega Mila Kunis (Perfeita é a Mãe!), outra atriz talentosa e que, embora acostumada a esse tipo de comédia, oferece uma performance apática e que alterna momentos puramente reativos a outros que abusam do histrionismo.
Já Justin Theroux (da série The Leftovers) mostra-se confortável na pele do agente secreto, esbanjando vigor físico e convencendo nas sequências de ação que, aliás, acabam eclipsando o humor do restante da trama. Beneficiando-se de um ótimo design de som, Meu Ex é um Espião é mais eficiente quando mostra Drew em ação, principalmente em sua primeira cena, é uma pena, portanto, que nem mesmo nesse quesito a produção mostre criatividade, visto que aquela boa perseguição (que termina com um salto em plano-sequência) é repetida na segunda metade da história, mas com o inexpressivo Sam Heughan (da série Outlander).
Heughan, vale ressaltar, é sabotado pelo fraco roteiro, que mal consegue explorar a potencial ambiguidade de Sebastian, apresentando de forma trôpega e deslocada apenas uma cena onde sua lealdade é questionada. Fechando o elenco principal, Gillian Anderson (a eterna Scully de Arquivo X) é desperdiçada no papel de chefe do MI6, numa composição semelhante àquela utilizada em O Retorno de Johnny English.
Finalizando a história com um irritante clichê sentimental, Meu Ex é um Espião não só deixa escapar a chance de surfar na onda do feminismo como ainda tenta tirar sarro disso, mostrando uma falta de inspiração que só não fica mais evidente do que aqueles momentos que tentam brincar com Edward Snowden, num esforço patético e que resume bem o que é a produção: uma combinação previsível de escatologia e falta de inspiração.
NOTA 4,5
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