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Foto do escritorGuilherme Cândido

'Longlegs' se inspira nos clássicos de serial killers em trama pesada


É fácil apontar a falta de originalidade de um filme, ainda mais em tempos de remakes, reboots, continuações, adaptações, filmes de super-heróis e afins. Por outro lado, quando um filme abraça sua natureza derivada em função da excelência de suas inspirações, o resultado nem sempre resvala na mediocridade. Na verdade, pode dar muito certo, como comprova Longlegs – Vínculo Mortal, quarto filme estrelado por Nicolas Cage a chegar aos cinemas brasileiros em 2024 (o razoável Depois do Apocalipse seria o quinto, mas acabou lançado diretamente nas locadoras digitais).


As influências, claro, não poderiam deixar de ser O Silêncio dos Inocentes (1991) e Se7en – Os Sete Crimes Capitais (1995), simplesmente, os maiores títulos sobre serial killers. Em relação ao magnum opus de Jonathan Demme, enquanto Maika Monroe (Observador) faz as vezes de Jodie Foster ao interpretar a agente do FBI Lee Harker, Cage lembra o Buffalo Bill de Ted Levine, encarnando o vilão-título como um avatar de maldade num universo de clima pesado e sombrio (note que está sempre nublado). A fotografia amarelada do estreante Andrés Arochi, a estrutura do roteiro e até o aproveitamento do assassino (cuja primeira aparição é tão fiel ao texto de Andrew Kevin Walker quanto o conceito do terceiro ato), cumprem a lista de referências a uma das obras-primas dirigidas por David Fincher.

O cineasta Osgood Perkins, que já havia trabalhado com um universo dominado pelas forças do mal no estiloso Maria e João – O Conto das Bruxas, conduz a produção com imensa disciplina, mergulhando o espectador numa atmosfera tão pesada que baixar a guarda nunca parece uma boa ideia. Um de seus maiores méritos é justamente trazer o sobrenatural para o nosso mundo, e ao abraçar o inexplicável, a narrativa potencializa o terror. Afinal, o que há de mais aterrorizante do que um lugar onde o horror é banal? Nesse aspecto, Longlegs é o tipo de filme de gênero inteligente e que nos trata como seres inteligentes, esnobando sustos fáceis e acordes súbitos da trilha. Perkins não tem pressa para nos tirar do prumo, demonstrando paciência para criar sequências em que algo ruim pode acontecer a qualquer momento, como fica claro no instante em que Lee sai de sua cabana durante a noite.

No papel da jovem policial de postura e gestos tão rígidos a ponto de impossibilitarem um único momento de relaxamento, Maika Monroe só tropeça ao exibir o cacoete de molhar os lábios antes de falar, em forçadas pausas dramáticas que expõe a tentativa da atriz de sugerir o turbilhão mental pela qual passa a personagem, como se escolhesse as palavras com cuidado ou se as deixassem escapar. A caça ao monstro adorador de Satã que destrói lares e deixa cartas cifradas à polícia parece forte demais para nossa heroína. Verdade seja dita, ela se sai bem na maior parte do tempo, carregando o peso de liderar uma história tão densa e ainda mantendo-se à altura de Nicolas Cage, a maior atração do projeto.

Iniciando o ano com o fraquíssimo Plano de Aposentadoria, surpreendendo com o bom O Homem dos Sonhos e engatilhando o lançamento do regular Ligação Sombria (estreia em duas semanas), Cage chega a 127 créditos no IMDb (maior banco de dados da internet sobre o Audiovisual mundial). Mais impressionante que isso, só a constatação de que o vencedor do Oscar ainda esbanja fôlego a frente das câmeras, fazendo valer a máxima de que é incapaz de oferecer uma performance no piloto automático.

A intensidade teatral do ator, quando mal dirigida, pode colapsar qualquer obra e basta lembrar de sua transformação em Motoqueiro Fantasma para ter uma ideia do embaraço que é vê-lo descontrolado em cena. Longlegs, por outro lado, cai como uma luva para ele, justamente por ser um personagem talhado para o over. A maquiagem propositalmente exagerada, a natureza misantrópica e o pouco tempo de tela dão cobertura para sua atuação hiperafetada. E acredite, não haveria outra forma de apresentar o vilão.

Afinal de contas, o diretor e roteirista Osgood Perkins trata Longlegs como uma verdadeira entidade: perceba, por exemplo, como ele evita ao máximo revelar a identidade do serial killer, deixando seu rosto sempre fora de quadro e limitando-se a planos-detalhe, fazendo com que a voz aguda e pausada de Cage execute o restante do trabalho. Esse tratamento especial transforma o assassino numa figura onipresente dentro da história e o mistério lhe confere uma aura tão distinta que é impossível para qualquer espectador não criar expectativas para o momento em que finalmente surgirá em toda sua glória. E caso Cage não fizesse jus a tudo isso, Longlegs (o filme) seria mais um a entrar em colapso, o que felizmente não é o caso.

Pecando apenas em furos ocasionais, como a negligência do FBI quanto a possibilidade de um desconhecido nas cenas dos crimes, o roteiro de Perkins finalmente paga o preço por trabalhar com elementos derivados, oferecendo uma história que só deverá surpreender àqueles não acostumados aos filmes sobre assassinos em série. Quem viu pelo menos dois (os que abrem esse texto), ligará os pontos em tempo real e conseguirá antever cada reviravolta da trama, eliminando grande parte do impacto do clímax, mas sem invalidar a experiência capitaneada por um Nicolas Cage inspiradíssimo.


NOTA 7,5

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