Liga da Justiça abandona tom sombrio e entrega experiência irregular
Com menos de vinte minutos de projeção, Liga da Justiça já nos leva a tirar uma série de conclusões.
A primeira, e mais evidente, é o abandono por completo da atmosfera sombria e carregada de filmes anteriores (no que tange, principalmente, ao Batman). A segunda, e ainda mais óbvia, é a constatação de que o dinheiro finalmente falou mais alto na linha de produção da Warner, o que nos leva a um terceiro fato: a DC Comics finalmente rendeu-se à “Fórmula Marvel”, abraçando sem pudores uma narrativa mais leve, fantasiosa e pautada por um humor inconsequente que dilui qualquer grau de dramaticidade, mas que, acima de tudo, rende lucros milionários.
É claro que não há mal algum em investir numa proposta de puro entretenimento, ainda mais se levarmos em conta que os estúdios são, em primeiro lugar, empresas. Mas a mudança pouco sutil que vemos neste Liga da Justiça, custa a ser digerida, o que também pode ter sido causada pelos conturbados problemas de bastidores (não esquecer que o diretor Zack Snyder teve de ser substituído por Joss Whedon, de Os Vingadores, em função de uma tragédia familiar).
Dito isso, a produção é uma verdadeira montanha-russa, alternando seus altos e baixos muitas vezes freneticamente. A começar pela acertada decisão de apresentar seus super-heróis de forma econômica, partindo do pressuposto (novamente acertado) de que estamos diante de figuras amplamente conhecidas. Isso, infelizmente, traz efeitos colaterais para a montagem, que abusa dos cortes secos e salta bruscamente de personagem para personagem.
Paralelamente a isso, a Warner/DC não consegue disfarçar sua falta de intimidade com o tom cômico pretendido, e mesmo que alcance resultados positivos pontuais, falha terrivelmente na construção do Flash (Ezra Miller, do ótimo As Vantagens de Ser Invisível), que extrapola sua função de alívio cômico e sente-se na obrigação de fazer graça em todas as cenas que aparece. Não que seu intérprete falhe em sua composição, pois Miller além de carismático e talentoso entrega-se ao seu papel e é eficiente, mas as piadas de Flash nem sempre soam orgânicas ou, principalmente, engraçadas, o que torna seu humor forçado em alguns momentos.
E já que citei Ezra Miller, devo dizer que Liga da Justiça, ao menos, acerta em cheio em seu elenco, a começar pela excepcional escolha de Jason Momoa (o Drogo de Game of Thrones) para viver o (com o perdão do trocadilho) injustiçado Aquaman: famoso por sua postura “certinha” e suas habilidades infames (como falar com os peixes e cavalgar num cavalo-marinho), o super-herói sempre foi ridicularizado. E nem mesmo uma mudança brusca nos desenhos animados da Liga foi capaz de reverter sua reputação.
Coube ao filme e, logicamente, a Momoa uma bem-vinda redenção do personagem que, concebido pelo ator havaiano com uma divertida atitude rebelde aliada a uma rispidez juvenil em suas falas, este novo Aquaman é uma bem-sucedida releitura, que vai desde o visual mais bronco, com vasta cabeleira e barba longa até um traje que passa longe da extravagância de suas primeiras aparições. Divertido, absurdamente carismático e exalando energia, Jason Momoa é o maior responsável por recolocar Aquaman no panteão dos super-heróis.
Panteão este que já apresenta a consagrada Mulher-Maravilha, mais uma vez vivida com vigor pela atriz israelense Gal Gadot. Confortável no papel que catapultou sua carreira em junho deste ano, Gadot não se intimida em cena, oferecendo mais uma competente performance, ao passo que Ben Affleck encontra dificuldades para adaptar-se ao novo (e descaracterizado) Batman, surgindo visivelmente desconfortável em meio a piadas e sequências de ação pouco inspiradas. Com menos tempo de tela, Ray Fisher faz o que pode para conferir peso dramático ao atormentado Ciborgue, figura mais trágica do longa.
Trágico, no pior sentido da palavra, é o vilão Lobo da Estepe (dublado por Ciarán Hinds, de Frozen), que surge como o mais pavoroso dos elementos negativos da produção. Começando pelo visual excessivamente artificial, o Lobo, que deveria representar uma ameaça à altura dos protagonistas, é um verdadeiro buraco negro em termos de energia, carisma e dramaticidade. Literalmente aparecendo (e desaparecendo) do mais absoluto (e obscuro) nada, sua origem em nenhum momento fica clara, uma falha que só não é maior do que suas genéricas motivações, o que lhe confere facilmente o título de “pior vilão da história dos filmes de super-heróis”.
Por outro lado, a atmosfera leve e descompromissada do filme acaba sendo contagiante o bastante para que embarquemos na história, o que também é facilitado pela presença de tantas figuras icônicas. Mas o filme só engrena mesmo a partir da segunda metade, quando o Superman finalmente dá o ar da graça. E como é bom vê-lo finalmente como o conhecemos, aparecendo como o verdadeiro símbolo da esperança e bondade que até deixamos de nos acostumar com o passar dos anos e dos filmes que insistiam em investir em seu lado mais casuístico. Simpático e revelando-se implacavelmente poderoso, o herói é encarnado com um misto de imponência e doçura por Henry Cavill, em sua melhor atuação como o Kryptoniano.
Sem jamais soar arrastado, Liga da Justiça mostra-se, ao final da projeção, um passatempo divertido e descompromissado, ainda que irregular e prejudicado por um péssimo vilão. Não é a adaptação que os espectadores do antigo desenho homônimo sonhavam em assistir, mas prova que o primeiro passo já foi dado. Um passo trôpego e vacilante, mas que, assim como o principal dom de seu mais antigo super-herói, oferece esperança.
Observação: Há duas (boas) cenas extras.
NOTA 6