"Lady Bird" constrói retrato fiel da adolescência
Época conturbada da vida, a adolescência é um período confuso e difícil, mas também pode ser uma fase extraordinária. Pode ser dolorosa, mas pode ser prazerosa. A única certeza é a de que não há melhor teste preparatório para a vida. O problema é que, enquanto adolescente, tendemos a superestimar problemas, enxergando pequenos percalços como verdadeiras hecatombes. Besteiras triviais podem se tornar tragédias emocionais e tudo isso num espaço surpreendente de tempo. Nisso, podemos incluir o surgimento dos primeiros casos de amor, as amizades que ficam mais claras e, principalmente, a relação com os pais, pois a partir do momento em que a infância fica para trás, um novo modo de pensar entra em ação e nossa percepção acaba sendo moldada com o tempo e é claro que isso pode acarretar em brigas escalafobéticas com os genitores, por mais irrelevantes que os motivos possam parecer.
Nesse aspecto, Lady Bird – A Hora de Voar é brilhante ao abordar todos os problemas inerentes à adolescência supracitados, mas diferenciando-se de obras semelhantes devido ao enfoque no relacionamento entre pais e filhos. Por isso, mesmo que o gênero “coming of age” já nos tenha oferecido inúmeras produções, Lady Bird comprova que há sempre algo novo a oferecer, passando longe de ser a típica produção que busca o drama (ou o humor) fácil, através da demonização da figura dos pais (ou do próprio jovem).
Estreando como cineasta, a atriz Greta Gerwig (de filmes indie como ‘O Solteirão’, ‘Mistress America’ e ‘Frances Ha’) oferece um olhar menos rebuscado, optando por apoiar-se na empatia gerada pelos personagens que, por sinal, são o ponto forte da produção. A trama gira em torno de Christine (Saoirse Ronan, de ‘Brooklyn’), uma adolescente comum que odeia a cidade onde sempre viveu e que renega seu próprio nome (já que considera ridículo atender por algo dado pelos pais). Lady Bird, como insiste em ser chamada, possui uma vida banal, cujo cotidiano implica em ir para a escola, sair com sua melhor amiga, discutir com o irmão mais velho e travar brigas (hilárias, na maioria das vezes) com sua mãe.
Vivida por Saoirse Ronan com carisma e naturalidade, Christine é uma jovem absolutamente comum o que facilita a identificação com o espectador precisamente em função da forma espontânea e sem exageros por parte da atriz norte-americana e sua entrega é tamanha, que é possível perceber uma camada quase nula de maquiagem, revelando um rosto maltratado pela acne e longe da perfeição perpetrada por estrelas de produções semelhantes, aproximando-se do popular conceito do “gente como a gente”. Além disso, Ronan merece elogios por jamais transformar Christine numa vilã ou convertê-la numa criatura irritante, oferecendo, em vez disso, nuances que permitem ao espectador compreender suas motivações, sejam elas corretas ou não (e o filme também tem o mérito de não julgá-la).
Já Laurie Metcalf (a mãe do Sheldon da série The Big Bang Theory) é igualmente bem sucedida ao interpretar Marion como uma mulher desgastada pelas dificuldades do dia-a-dia, já que além de sua exaustiva rotina de trabalho, ainda tem de lidar com a pressão imposta pela dificuldade financeira em que vive sua família. Como se isso não bastasse, o intempestivo temperamento de sua filha (também imersa em seus próprios problemas) acaba criando um choque de personalidades que, ainda que frequente e explosivo, jamais é conduzido de forma a vilanizá-la.
Aliás, é admirável que Marion possa disparar palavras tão duras a Christine e mesmo assim soar amorosa ao abraçá-la carinhosamente em outro momento. Pois afinal, por mais que discute com sua filha, Marion a ama incondicionalmente, e Metcalf é certeira ao jamais passar impressão diferente. Enquanto isso, é no mínimo decepcionante que a calorosa performance de Tracy Letts (ainda em cartaz com The Post) não tenha sido lembrada durante a temporada de premiações, visto que seu personagem (Larry, o pai de Christine) repleto de calor humano, em nada deixa a desejar às performances de suas colegas de elenco, destacando-se, sobretudo, na delicada sequência em que o vemos disputando uma vaga de emprego com o próprio filho (e sua reação ao ver o garoto é absolutamente tocante).
Mantendo-se à altura do elenco, o roteiro escrito pela própria Greta Gerwig é competente ao estabelecer um universo pautado por conflitos das mais diversas origens, mas que são encarados por figuras humanas e multifacetadas, mesmo que a estrutura adotada recorra demais ao lugar-comum, optando por atalhos que sacrificam o impacto da história e permitem uma previsibilidade maior que o recomendado.
Como exemplo, se o relacionamento entre Christine e sua melhor amiga é exatamente aquilo que já vimos em obras recentes como o superestimado ‘Quase 18’, o mesmo pode ser dito da imagem passada pelos professores. Por outro lado, Gerwig é inteligente ao inserir pequenas surpresas que, mesmo sutilmente, acabam por gerar efeitos que vão desde os risos provocados pelo estereótipo encarnado por Timothée Chalamet (disputando o Oscar pelo fascinante ‘Me Chame Pelo Seu Nome’), até um breve comentário sobre homossexualismo que inspira compaixão justamente por concentrar-se no ser humano por trás desse dilema, substituindo, acertadamente, o choque pela complacência.
Encerrando a história com um epílogo abrupto que corrobora sua força exatamente por inspirar um desejo pela continuidade, a produção tem a inteligência de não sugerir um final para Christine, afinal de contas, sua vida está apenas começando e essa foi apenas a primeira de uma série de etapas que ainda serão vivenciadas.
Envolvente e tocante, Lady Bird – A Hora de Voar não só é hábil ao reverberar um período universal da vida, como ainda oferece perspectivas que provocarão reflexões poderosas. E isso, para a geração atual, pode representar um valioso guia nessa jornada tortuosa e intensa chamada Adolescência.
NOTA 8,5
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