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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Holy Spider" usa serial killer para expor sociedade iraniana


Rahimi (Zar Amir-Ebrahimi) é uma jornalista que acaba de ser demitida por recusar as investidas sexuais de seu chefe. Agora trabalhando como freelance, ela investiga o caso de um serial killer conhecido como Spider Killer, que vem assassinando prostitutas na cidade sagrada de Mashhad. Ela eventualmente acaba se aliando a um repórter do jornal local, com quem o assassino tem se comunicado por telefone. Mas diante de uma sociedade tão sexista, será mesmo que alguém se interessa em ver o Spider Killer preso? Afinal de contas, estamos diante de um misógino que alega estar numa missão para “purificar” as ruas sacras das mulheres “imorais”.


Escrito e dirigido pelo iraniano Ali Abbasi (do peculiar Border), a produção chama a atenção logo de cara por exibir mulheres (em locais privados) sem os tradicionais hijabes, que cobrem parte do rosto e do cabelo, cujo desconforto é incorporado à história, quando o recepcionista de um hotel pede a Rahimi que cubra seu cabelo. Aliás, nessa mesma sequência, Holy Spider já retrata a mentalidade tacanha que domina a sociedade, colocando o mesmo recepcionista para negar um quarto à jornalista somente pelo fato de ela não estar acompanhada de um homem.

Mais do que um território hostil às mulheres, Mashhad é dominada pelo fundamentalismo religioso, que rege os costumes locais como se ainda estivéssemos na Idade Média. Nem a Mídia escapa, como fica claro na passagem em que Rahimi e seu colega solicitam acesso ao caso, mas ouvem de uma autoridade que “o trabalho do jornalista é informar, não espalhar o medo”, numa clara afronta à liberdade de imprensa.

Toda essa ambientação serve como diferencial num roteiro estruturado como um típico filme de serial killer, incluindo clichês (o colega do investigador, o envolvimento da polícia, o forasteiro desprezado pelos locais) que são utilizados para compor uma narrativa incomum no Cinema Iraniano, mas que é enriquecida por incorporar elementos da cultura local. Entretanto, embora se assuma como um exercício de gênero, a ideia do realizador Ali Abbasi de não explorar o mistério em relação à identidade do assassino, revelando-a logo nos primeiros minutos, lhe dá liberdade para se aprofundar em suas motivações, que são utilizadas como uma crítica frontal à visão dos radicais religiosos, possuindo alto potencial de choque (e revolta) em plateias ocidentais.

Investindo numa atmosfera crua acentuada pela fotografia granulada (referenciando as obras de Michael Mann) e a trilha pesada à base de sintetizadores, Holy Spider busca um grau de realismo que chega a impactar em certos momentos (a cena de sexo oral explícito, o encontro do vilão com uma prostituta determinada a reagir), ressaltando a coragem de um cineasta decidido a provocar o governo de seu país. Nesse ponto, a escalação de Zar Amir-Ebrahimi, atriz iraniana expatriada em função de um controverso escândalo sexual (hoje ela vive em Paris), já apontava para essa disposição ao confronto. Ebrahimi que, vale ressaltar, conquistou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, traz disciplina e firmeza a um papel que poderia descambar para a artificialidade e/ou o melodrama caso caísse em mãos menos hábeis.

Com um final tão revoltante quanto chocante ao mostrar como o caso real inspirou uma parcela considerável da população (masculina, é claro) a externar apoio ao assassino, Holy Spider é um filme de gênero pulsante e que merece aplausos pela coragem em agregar críticas necessárias a um país que ainda está muito longe de sair da Idade Média.


* Filme visto durante o Festival do Rio 2022


NOTA 8,5

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