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Foto do escritorGuilherme Cândido

Franquia "Invocação do Mal" chega ao fundo do poço com "A Freira 2"


Quando escrevi sobre A Freira, em 2018, apontei que se tratava de uma produção que jogava seguro no campo do terror e surpreendeu ao investir no humor de forma mais perene do que outras produções do gênero. Se era bem-sucedido em algumas das várias tentativas de fazer o espectador pular da cadeira, a produção beneficiava-se ainda mais com a presença de Frenchie uma figura tão divertida que praticamente roubou o filme, algo positivo para o lado do entretenimento, mas não tanto assim por se tratar de uma obra do gênero horror. Já esta continuação, que estreia cinco anos depois, peca ao manter Frenchie na linha, diminuindo suas tiradas, mas, em contrapartida, não intensifica o horror. Ao eliminar aquilo que mais funcionou no anterior, a franquia expõe suas fragilidades narrativas e não convence o espectador sobre a necessidade de sua existência.

Continuando exatamente do ponto onde parou a produção de 2018, o roteiro escrito a seis mãos baseado no argumento de Akela Cooper (M3GAN), apresenta Frenchie (Jonas Bloquet) se estabelecendo na Hungria logo depois de passar uma temporada viajando pela Europa. Já a irmã Irene (Taissa Farmiga) vive confortavelmente num convento enquanto tenta manter segredo sobre sua participação no célebre caso retratado no primeiro filme. Mas quando um rastro de mortes suspeitas envolvendo padres e freiras chama a atenção da Igreja Católica, não demora muito até Irene ser procurada para usar sua experiência na investigação, levando-a a um reencontro com Frenchie.

É claro que por trás desses eventos misteriosos está a entidade Valak, cuja identidade visual marcante estabeleceu a atriz norte-americana Bonnie Aarons como um ícone instantâneo do gênero. A produção, no entanto, faz uso consciente da freira demoníaca, que aparece apenas em doses homeopáticas enquanto prepara o espectador para o clímax. Assim, somos obrigados a aturar uma sucessão de jump scares gratuitos e pouco criativos envolvendo a suposta criatura. Isso quando as tais manifestações não passam de visões distorcidas dos personagens. O ponto fraco da produção é justamente não oferecer um motivo para sua existência e o trabalho do diretor Michael Chaves é contraproducente nesse sentido.

Chamando a atenção da indústria com o divisivo A Maldição da Chorona, Chaves não é um marinheiro de primeira viagem dentro da franquia, tendo comandado o terceiro Invocação do Mal, mas aqui conduz a narrativa com uma falta de energia mais impressionante do que qualquer set-piece presente na obra. Preguiçoso, o cineasta não faz a menor questão de surpreender o espectador, orquestrando sequências de forma burocrática ao regurgitar clichês jurássicos, como a lanterna que deixa de funcionar na hora H e o movimento de câmera que revela a entidade ao retornar ao ponto de origem. Isso para não mencionar a irritante mania que os personagens de filmes de terror possuem de caminhar em câmera lenta quando notam uma presença estranha. O pior é que isso é tudo o que Chaves tem a oferecer, já que essa estratégia se repete à exaustão durante as quase duas horas de projeção, fazendo de A Freira 2 uma experiência cansativa e entediante.

A produção também não hesita em permitir que seus personagens ajam como completos idiotas, uma tradição que se espera de filmes povoados por adolescentes, não por adultos com experiência em casos sobrenaturais. É o caso da diretora de um convento que ao julgar ouvir a voz de seu filho falecido, não pensa duas vezes antes de seguí-la até uma capela. A questão é que a tal capela é famosa por manifestações extraterrenas e, não por acaso, encontra-se selada (adivinha de quem foi a decisão...). Não apenas por uma fechadura ou uma tora de madeira (ambos os casos), mas também por correntes pesadas e trancadas por um cadeado. Preciso dizer que nada disso adianta para fazer a pobre senhorinha mudar de ideia?

Por outro lado, retratar seus personagens como debiloides não chega a ser mais ofensivo do que tratar seus próprios espectadores como verdadeiros estúpidos. É exatamente o que acontece a partir da metade da projeção, quando a irmã Irene pausa sua jornada como serva de Deus, para se aventurar como uma caçadora de relíquias, rivalizando com Indiana Jones ao buscar um artefato com potencial para neutralizar a ameaça de Valak. Pena que o trio de roteiristas não tem a menor ideia de como conceber uma trama desse tipo e essa falta de experiência resulta nos piores momentos de toda a projeção. Eles até se esforçam para lançar pistas que são seguidas pela protagonista, mas a insegurança na inteligência do espectador sabota qualquer chance de sucesso.

Afinal, toda vez que a irmã Irene se depara com algo que a deixa mais perto do seu objetivo, faz questão de comunicar à irmã Debra (Storm Reid, brilhante em The Last of Us), que por sua vez foi criada apenas para cumprir a função de mastigar para o público as descobertas da heroína. Tente não se irritar ao ver Irene juntando as peças do quebra-cabeça EM VOZ ALTA e logo depois tendo de ouvir Debra repetir EXATAMENTE o que ela acabou de falar. “Se nós encontrarmos a pista X, descobriremos onde está a pista Y”, diz Irene com a expressão de quem acabou de descobrir a pólvora. “Então você está me dizendo que...”, responde Debra repetindo cada palavra dita pela amiga, com a expressão de quem está tentando resolver uma equação de física quântica.

Vale ressaltar também que o roteiro nem se incomoda em explicar as funções do tal artefato (“os olhos de Santa Luzia de Siracusa”), mas isso não chega a fazer diferença, pois a função do MacGuffin não é fazer sentido e, sim, servir como motivação para manter os personagens em movimento. Essa confusão, por outro lado, rende um dos momentos mais divertidos da produção (o fato de o humor ser involuntário é um mero detalhe). “Então você quer dizer que o demônio quer um par de olhos? Mas por quê?”, indaga a inocente Debra. “Porque ele é um demônio”, decreta Irene, resoluta. E aqueles que tentaram conter as gargalhadas durante esse momento, fracassarão miseravelmente perante o confronto final entre Valak e Irene, cuja solução é tão absurda que nem meus companheiros de cabine de imprensa conseguiram se controlar.


A verdade é que há muito tempo o “universo” Invocação do Mal deixou de ser motivado pela criatividade, abraçando de vez a natureza caça-níquel proporcionada por seus spin-offs, o que não deixa de ser uma grande decepção, ainda mais vindo de James Wan, talentoso como cineasta, mas ganancioso como produtor, entregando mais um produto de qualidade duvidosa enquanto aguarda ansiosamente para contar os dólares arrecadados com a empreitada.


Obs: Há uma cena durante os créditos.


NOTA 2,5

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