Festival Varilux 2023 | "Crônica de uma Relação Passageira" não esconde influência de Woody Allen
Apesar de influenciado por Truffaut e Godard (o primeiro bem mais do que o segundo), Crônica de uma Relação Passageira é, na prática, uma derivação da influência que Woody Allen segue exercendo no Cinema. Isso não chega a ser exatamente um demérito, mas também passa longe de ser um elogio quando percebemos que além das semelhanças com Annie Hall e Manhattan, a produção que colecionou elogios durante sua exibição em Cannes não possui substância suficiente para se colocar à altura das comparações que surgirão.
O protagonista Simon é o típico neurótico desajeitado que sucumbe ao charme de uma mulher, Charlotte, fora dos padrões. No entanto, mais do que o prazer da companhia, Simon busca extravasar seus pensamentos sobre basicamente tudo o que o cerca. Enquanto Annie Hall divertia com reflexões rebuscadas, valorizadas pela direção excitada de Woody Allen, Chronique d’une Liaison Passagère (no original) dá voltas com divagações nem sempre interessantes. Não por acaso, sempre que Simon se entrega a elucubrações, a história parece não sair do lugar. A cumplicidade de Charlotte é o que impede o personagem de cruzar a linha tênue entre a inquietação fascinante e a pretensão entediante.
A própria relação do casal não se encaixa num vaivém narrativo, pois a linearidade mata qualquer tipo de nuance em termos puramente narrativos. Ao se desenrolar como se um diário fosse, a produção abraça uma natureza episódica em que é preciso se atentar aos detalhes. A verborragia incessante de Simon provoca reações geralmente positivas de Charlotte e a faísca que surge dessas interações normalmente esconde detalhes caros à carpintaria dramática. É quando o diretor e roteirista Emmanuel Mouret, que há mais de vinte anos faz do Amor sua matéria-prima, aposta nos zooms para sublinhar o que os personagens estão sentindo. O que pode escapar a Simon e Charlotte enquanto as palavras são ditas, é inevitavelmente sentido quando param para assimilar o golpe do que ouviram ou perceberam.
Vincent Macaigne faz o possível para emular a insegurança dominada por Woody Allen, mas carece de seu carisma e do seu timing. Por outro lado, a química com Sandrine Kiberlain é inquestionável, algo valorizado pelo mistério que cerca a vida dos amantes. É curioso como Mouret mostra interesse apenas pelo relacionamento de Simon e Charlotte, não deixando espaço para qualquer outro elemento narrativo até o surgimento de um componente complicador. O foco é tão absoluto que chegamos a nos perguntar se Simon é realmente casado e se Charlotte de fato é mãe e esse questionamento só enriquece a abordagem de Mouret e sua compreensão do que acontece entre os protagonistas. Mais curioso ainda é que o final desaponte justamente por manter-se fiel à verossimilhança que tornou-se sua maior força, ao evocar o desespero inerente ao lamento pelo que poderia ter sido.
Crônica de Uma Relação Passageira talvez não seja tão profundo e/ou divertido quanto julga a ser, ao menos da perspectiva de seus personagens, mirando em Woody Allen e Truffaut quando no máximo consegue lembrar (e superar) os fastidiosos exercícios narrativos de Holofcener. Em seus melhores momentos, a produção é salva pela beleza que habita não o texto, mas seu subtexto.
NOTA 5,5
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