Festival Varilux 2023 | "Conduzindo Madeleine" supera previsibilidade através do carisma do elenco

Charles (Dany Boon, de O Crime é Meu) é um taxista endividado e preocupado com o futuro de sua família. Percorrendo Paris por doze horas diárias, seis dias por semana, ele está quase sempre mal-humorado e atento ao celular à espera de um milagre financeiro que jamais aparece. Durante uma manhã comum na Cidade Luz, Charles recebe uma missão tão inesperada quanto lucrativa: atravessar a cidade para levar Madeleine (Line Renaud), uma senhora de 92 até o lar para idosos onde passará o restante de seu tempo na Terra. Reticente, ele acaba aceitando em virtude do pagamento volumoso, mas aos poucos constrói uma amizade improvável e que o faz enxergar a vida com outros olhos.
Qualquer semelhança com Conduzindo Miss Daisy, não é mera coincidência e o próprio título brasileiro faz questão de sublinhar, ao contrário da versão original (Uma Bela Corrida). Conduzindo Madeleine é estruturado como um road movie típico, passado quase exclusivamente no interior do veículo dirigido por Charles. A relação entre motorista e passageira, que vai da frieza à cumplicidade, é desenvolvida num ritmo de crowd pleaser que certamente arrebatará o público que optar por assisti-lo nesse Festival Varilux de Cinema Francês 2023.

Isso porque Dany Boon e Line Renaud exalam uma conexão que provavelmente é ainda maior fora das câmeras. Agradáveis, os intérpretes despertam uma simpatia instantânea por parte do público, do tipo capaz de disfarçar as irregularidades do roteiro, ora açucarado, ora sombrio. O desequilíbrio no tom fica mais proeminente durante o segundo ato, quando os desnecessários flashbacks do passado de Madeleine dão vazão a um comentário sobre violência doméstica e o papel da mulher na Sociedade. São instantes dramáticos que pegam o espectador desprevenido e escancaram a mudança tonal brusca.

Esse vaivém narrativo não chega a comprometer, mas gera uma estranheza que seria facilmente contornada caso o diretor Christian Carion demonstrasse mais confiança em sua excepcional protagonista. Responsável pelas duas versões de Meu Filho (ambas problemáticas, mas prefiro a protagonizada por James McAvoy), Carion é eficiente ao deixar os holofotes para seus artistas, mesmo que a fotografia roube a cena esporadicamente com as inevitavelmente estonteantes tomadas de Paris. Aliás, a longa viagem de Madeleine e Charles proporciona um verdadeiro tour ao espectador, que passa pelos principais pontos turísticos da capital francesa sem levantar da poltrona.

A suspensão da descrença, exigida em vários momentos (principalmente em determinadas paradas) também é amenizada pela segurança de Carion, que escolhe, acertadamente, acreditar que o espectador não precisará de estímulos para compreender algumas atitudes. O cineasta é particularmente eficaz ao soltar sinais sem soar desonesto. Basta prestar atenção nos detalhes para antever as supostas reviravoltas que irrompem na segunda metade.

A previsibilidade da história (especialmente o final) acaba sendo suavizada quando nos lembramos da clássica frase “a jornada importa mais do que o destino”, fazendo com que a irresistível experiência ao lado desses dois adoráveis personagens faça valer o tempo investido e até compense o eventual excesso de sacarose.
NOTA 6,5