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Festival Filmelier no Cinema: #2 - A Sindicalista

Foto do escritor: Guilherme CândidoGuilherme Cândido

Atualizado: 22 de abr. de 2023


Em 2012, uma irlandesa ousou bater de frente com uma corporação, defendendo o interesse de milhares de trabalhadoras. Líder sindical, mal sabia ela que estava prestes a entrar num esquema de altos funcionários de uma gigante do setor nuclear que procurava conseguir os meios necessários para viabilizar uma associação com chineses interessados em entrar para o mercado francês.


Traçando um paralelo óbvio com Elle, filme que rendeu a Huppert uma merecida indicação ao Oscar de Melhor Atriz, o filme tem início com a perturbadora imagem de Maureen Kearney amordaçada e amarrada junto a uma cadeira, sendo encontrada pela empregada. Para responder à pergunta que povoou a mente dos espectadores nesses primeiros minutos, o roteiro toma a liberdade de voltar no tempo e narrar a trajetória de Kearney, mostrando os eventos que levaram até aquele momento dramático.

Essa retroatividade permite ao roteiro articular elementos típicos de um thriller político, aproximando a obra de um suspense que se revela apenas protocolar, já que o diretor Jean Paul Salomé (A Dona do Barato) não demonstra ambição suficiente para ir além de clichês como o da mulher que percorre um estacionamento olhando para trás de forma amedrontada enquanto o perigo se avizinha ou as tradicionais mensagens crípticas que chegam através de interlocutores ou de telefonemas ameaçadores.

Maureen, no entanto, é encarnada por Isabelle Huppert como uma mulher de difícil intimidação (“eu nunca fui boazinha e não será você que mudará isso” ela diz a um influente executivo em certo instante). O que ela percebe, mas parece não entender completamente, é o risco que corre ao peitar os homens em seus próprios territórios. Afinal, o jogo político que envolve os interesses de uma importante corporação do setor nuclear, movimenta cifras exorbitantes o bastante para atraírem predadores da pior espécie.

Nesse ponto, o roteiro de Fadette Drouard (Pacientes), escrito em parceria com o próprio diretor, adota uma abordagem pouco sutil que adere ao sexismo como principal obstáculo enfrentado por Maureen em sua luta diária contra a ganância de verdadeiros bandidos de colarinho branco que não hesitam em descartar trabalhadores humildes caso necessário para firmar acordos. Quando o dinheiro fala mais alto, até o cenário geopolítico se apequena, o que explica a aproximação da China e a preocupação de Kearney.

Com um primeiro ato que se dedica a caminhar, mesmo que de forma trôpega, pela seara dos suspenses conspiratórios, A Sindicalista se apresenta como uma obra tão desesperada para assumir um viés feminista que chega a soar panfletário em vários momentos. Os diálogos, expositivos e carregados de chavões (“quando duas mulheres se unem não é trabalho, é solidariedade”, atesta a chefe de Kearney pouco antes de ser chamada de “histérica de saia” por um homem). Ao invés de investir no subtexto para ambientar o espectador nesse universo hostil às mulheres, os roteiristas optam por escancarar suas intenções, diluindo o impacto de momentos que seriam muito mais eficientes caso Drouard e Salomé reconhecessem o valor da máxima “não conte, mostre”.

O mesmo acomete o desenvolvimento de Maureen, já que os coadjuvantes são meros instrumentos que servem a dois propósitos: permitir que a mulher comunique sentimentos e planos e descortinar ao espectador características que enriqueçam a percepção sobre sua personalidade. “Maureen trabalha como uma condenada”, diz alguém que obtém como resposta “ela é assim há vinte anos!”, por exemplo. Os roteiristas não estão muito confiantes de que conseguirão fazer com que o espectador entenda sua protagonista. Afinal, ela passará por um evento que servirá como o primeiro plot point da trama, subvertendo o significado da imagem que abriu a narrativa.

Embora óbvia para o espectador, a polícia estranhamente passa a questionar a posição de Maureen como vítima e os interrogatórios, sempre buscando colocar em xeque a credibilidade da mulher, enfatizam supostas incoerências na versão sustentada por ela. E é aí que o filme vira a chave, abandonando o thriller político para abraçar o drama de tribunal, perdendo fôlego com as idas e vindas enquanto o espectador tenta se situar nesse rocambole narrativo.

Tudo o que foi construído no primeiro ato, que estabeleceu Maureen como uma mulher íntegra e completamente comprometida com o seu trabalho, calculadamente cai por terra quando surge no horizonte a possibilidade de ela ter forjado a própria agressão sexual. É um problema que o diretor Jean Paul Salomé capte com tanta firmeza incidentes fundamentais na concepção de álibis, fazendo com que o público desconfie não da protagonista, mas sim das ferramentas empregadas pela produção. Até porque, a forma utilizada para desconstruir Maureen cai no velho estereótipo da mulher louca e/ou fragilizada psicologicamente.

Sendo assim, A Sindicalista fica num desinteressante meio-termo entre o que poderia ser um eficiente, embora nada original, suspense conspiratório e um banal e previsível drama de tribunal, que pensa alcançar alguma relevância pelo forte caráter feminista, mas que só deverá ser lembrado como um projeto menor da sempre excelente Isabelle Huppert, dessa vez protagonista do que poderia ter resultado numa boa minissérie ao invés de um irregular longa-metragem.


NOTA 6


* Filme visto através de screener enviado pelo festival


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