Festival de Cinema Europeu Imovision #2: "Entre Nós, O Amor"
- Guilherme Cândido
- há 1 dia
- 3 min de leitura
Entre Nós, o Amor
(Une Vie Rêvée, França)

Engana-se quem pensa que apenas o nosso mercado de trabalho, já suficientemente anêmico e disputado, é hostil aos proletários mais velhos, principalmente aqueles em busca de recolocação. Que o diga Nicole, mulher de 52 anos e uma dívida que ultrapassa os 40 mil euros. Apesar de encalacrada, ela é incapaz de negar um tênis novo ou o videogame da moda ao filho universitário com quem mora e do qual se gaba para o gerente do banco, desesperado para manter as contas da cliente em dia. Nem sempre foi assim.
Hoje em baixa, Nicole já esteve na crista da onda, navegando em mares tranquilos enquanto ostentava um apartamento parisiense com vista para o jardim. Os motivos para a derrocada, representada pela mudança à periferia, remetem à própria protagonista, ao menos de acordo com Serge, que não hesita em culpá-la até mesmo quando se distrai na Hora H com a namorada “não consigo fazer isso sabendo que minha mãe está aqui”.

Nicole é um desastre ambulante e ela só se dá conta de seu fracasso como cidadã quando falha miseravelmente enquanto mãe, num embate desajeitadamente feio com o único filho, que sai de casa. Nesse momento, Entre Nós, O Amor, deixa de ser sobre um relacionamento conturbado entre mãe e filho, para se transformar num daqueles dramas edificantes que absorvem a máxima “quando se está no fundo do poço, só podemos subir”. É quando nossa protagonista, falida em quase todos os sentidos, conhece Norah, dona do barzinho do outro lado da rua e pronta para estender a mão. No divã da comerciante, Nicole põe a própria vida em perspectiva e descobre um lado de sua personalidade que se escondia sob o verniz da frustração.

Valeria Bruni Tedeschi, do ótimo Capital Humano (2013), é o corpo e a alma da história, sabendo mostrar ao espectador que o jeito expansivo e escusatório é apenas uma máscara usada para esconder uma mulher que caiu do cavalo e está sem forças para se levantar. E quando finalmente se entrega à atmosfera depressiva preparada pelo diretor/roteirista Morgan Simon, as interações de Nicole e Norah soltam faísca. Fantástica na obra-prima Incêndios (2010), do canadense Denis Villeneuve, Lubna Azabal faz o contraponto com perfeição, remetendo à composição calorosa de Sam Rockwell no subestimado O Verão da Minha Vida (2013). O olhar sincero e a segurança com que toma partido denotam a personalidade forte de Norah, aparentemente a única pessoa no mundo capaz de tirar Nicole das trevas. Nem mesmo o Serge de Alex Lefebvre, intenso como no belo Verão de 85 (2020), sob a batuta de Ozon, consegue tirar o melhor da própria mãe.

Pena que a força humanitária do script é diluída por um comentário político inconveniente, com direito à transmissão de um discurso enviesado de Macron. Como se a desilusão com a esquerda, convertida em aposta na extrema-direita, fosse a verdadeira culpada pela situação. Para piorar, Simon ainda inclui imigrantes na parada, investindo numa escalada artificial que vai do choro de um muçulmano a uma briga absolutamente incompreensível.

Felizmente, como a própria Nicole provou, sempre há tempo suficiente para consertar erros e Entre Nós, o Amor termina em alto nível, seja pelo voto de confiança na humanidade ou pela catártica sequência que fecha a história com chave de ouro.
NOTA 6,5