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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Fúria Primitiva" marca estreia promissora de Dev Patel como diretor


Levado ao estrelato em 2008 por Danny Boyle no apaixonante Quem Quer Ser Um Milionário?, o britânico descendente de indianos, Dev Patel demorou a engatar em Hollywood. Isso não significa que custou a ter papéis de destaque, pois ele apareceu num volume até razoável de produções, como o famigerado O Último Mestre do Ar, o bem-sucedido O Exótico Hotel Marigold (e sua sequência) e ainda protagonizou Chappie, aposta do cineasta sul-africano Neill Blomkamp, então queridinho da Indústria. O problema de Patel foi não deixar claro para o público o porquê de ter chamado atenção de tanta gente importante, visto que suas atuações só aumentavam a intriga.


Foi em Lion – Uma Jornada Para Casa que o eterno Jamal Malik finalmente disse a que veio, recebendo, inclusive, uma merecida indicação ao Oscar de Melhor Ator em 2017. Dali em diante, enfileirou bons projetos como o tenso Hotel Mumbai, o estiloso A Vida Extraordinária de David Copperfield e o excelente A Lenda do Cavaleiro Verde. Já consolidado na Meca do Cinema, Patel pôde, enfim, se dedicar a Fúria Primitiva, projeto que sempre sonhou tirar do papel. Seu apreço pela história do lendário Hanuman, o Deus Macaco do hinduísmo é tão grande, que o próprio ator resolveu assumir não apenas o roteiro, mas também a direção.

A história de Hanuman, no entanto, é apenas periférica, servindo como um prelúdio ilustrativo da relação entre Kid (como um legítimo vingativo de passado misterioso, o personagem de Patel jamais é chamado pelo nome) e a mãe, iluminando flashbacks que trazem algum frescor à fétida atmosfera alimentada pelo enredo. Nosso herói vem de baixo, fazendo um bico como saco de pancadas numa espécie de UFC clandestino em troca de uma mixaria. Não há preocupação com qualidade de vida, pois seu real e único objetivo (revelado apenas na segunda metade da projeção) é chegar até um luxuoso estabelecimento. Para isso, faz conexões e progride diligentemente na hierarquia. Inclusive, há uma ótima sequência em que vemos uma carteira ser roubada e passar por várias mãos e locações até cair no colo de Kid, demonstrando o potencial de nosso diretor.

Em outros momentos, no entanto, o debutante acaba se distraindo com firulas estéticas, investindo em cores e angulações que nada servem à narrativa. Na ânsia de manter sua história sempre em movimento, também recai no equívoco de exagerar nas transições. Os jump cuts chegam a funcionar no início, mas seu uso excessivo se vira contra as próprias intenções da montagem, prejudicando um ritmo já extremamente fragilizado. Parte da culpa pelos engasgos da trama repousam sobre os ombros do trio de roteiristas encabeçado por Patel. Há muito acontecendo e pouco espaço para encaixe.

Se o passado de Kid é paliativamente resolvido por flashbacks, o mesmo não dá para ser dito sobre a salada de frutas temática que o script atira na tela. Além da já citada mitologia hindu, Patel, Paul Angunawela (Keith Lemon) e John Collee (Hotel Mumbai) adicionam uma problemática à equação, ilustrando a desigualdade social com sequências no submundo de uma cidade fictícia na Índia, assim como o próprio Kid, um corpo estranho no meio de figurões da alta sociedade. Tais passagens são construídas sem muita inspiração, pois incorrem em tomadas desgastadas pela utilização em várias outras obras (impossível não lembrar da Mulher-Gato se infiltrando num bar exclusivo em Batman).

Dev Patel demonstra consciência social, dando voz aos oprimidos e jogando luz sobre os intocáveis poderosos, sempre dispostos a esconderem seus atos sombrios. A câmera nervosa percorre os becos sinuosos da Índia com a mesma energia com que atravessa os salões opulentos que abrigam a escória endinheirada da sociedade. Essa sujeira (moral e literal), pesa o clima e provoca o tipo de revolta que faria o espectador urrar para a tela, torcendo para Kid distribuir socos e pontapés na suposta elite. Mas aí está outro problema de Fúria Primitiva, pois a justiça que o protagonista busca é para um trauma individual e não uma ferida coletiva. Exatamente por isso, quando o ambiente muda para um bucólico retiro espiritual, a trama dá uma guinada brusca.

O respiro forçado faz o longa-metragem soar como outro filme, dando mais um golpe no ritmo enquanto o roteiro pega emprestado alguns elementos da Jornada do Herói. Entra o mentor e surgem as sequências de treinamento (com direito a uma ótima, no ritmo de um tradicional instrumento indiano), mas até nesse ponto a produção derrapa. Quando Kid se dispõe a ingerir uma especiaria mágica, o “elixir” tira a credibilidade do personagem e impacta diretamente em seu arco dramático. O flerte com o esotérico é um problema menor do que sugerir uma espécie de trapaça do herói. Com a força demonstrada, mesmo após a queda, um componente externo não deveria ser necessário para sua ascensão.

Por outro lado, o que não entrega em termos de roteiro, Monkey Man (no original), esbanja através da ação. Claramente influenciado pela franquia John Wick (citada nominalmente, inclusive), o longa investe numa coreografia de golpes rápidos e violentos, captados sempre muito de perto. Essa visceralidade, claro, capricha na violência e mostra que aquele antigo Dev Patel, mirrado e desengonçado, ficou para trás. Musculoso e ágil, ele não tem a menor dificuldade de convencer como astro de ação, surpreendendo também ao mostrar uma presença de cena admirável.

Esforçando-se para sair do básico, Fúria Primitiva oferece uma experiência desequilibrada, dependente dos altos provenientes da ação para compensar os baixos da dramaturgia batida. Se como roteirista ainda precisa se acertar, como diretor, Dev Patel mostra um promissor cartão de visita.


NOTA 6



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