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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Eu, Tonya" alterna humor e drama em história real irreverente

Tonya Harding, promissora e precoce patinadora artística não foi a primeira e nem será a última atleta envolvida num escândalo. Esportistas de grande prestígio como o ciclista Lance Armstrong e até mesmo a nadadora brasileira Rebeca Gusmão já estamparam manchetes, mas exemplos como o de Harding não são tão fáceis de encontrar.


Também pudera, tão súbita quanto sua ascensão ao topo da patinação artística foi sua queda diante dos holofotes após ser denunciada pelo envolvimento numa conspiração que acabou levando sua rival Nancy Kerrigan a ser atacada, tendo o joelho fraturado devido a um golpe desferido por um homem que mais tarde descobriu-se ter conexão com o próprio marido de Harding, o desinteressante Jeff Gillooly. Mas, se Jeff estava envolvido neste episódio, isso significa que Harding foi cúmplice? Afinal, ela participou do crime? Essas e outras dúvidas são levantadas por Eu, Tonya, mas embora uma versão seja oferecida para respondê-las, jamais temos a certeza da veracidade do que estamos vendo.


Escrito por Steven Rogers (do fraco ‘O Natal dos Coopers’), o roteiro narra a trajetória de Tonya desde a descoberta de seu dom, passando por seu crescimento em meio ao dilema de seguir na escola ou priorizar a carreira artística, até culminar no fatídico evento. Felizmente, a produção não se atém ao lado competidor da norte-americana e mostra o cotidiano daquela jovem que era explorada pela mãe sem dó nem piedade, sob a justificativa de estar investindo no futuro, ou apoiando a escolha da criança. Por consequência, quando Harding se torna a primeira mulher a completar um Salto Triplo Axel, não é difícil imaginar quem resolve cobrar os louros…


Por outro lado, ao contrário do que se pode imaginar, LaVona (mãe de Tonya) não é retratada exatamente como uma vilã. Embora o comportamento inadequado seja sua característica mais marcante, a mulher, de fato, apoiou a carreira da filha, o que não a exime de críticas relacionadas ao modo de tratá-la e que é ilustrado brilhantemente por Allison Janney, capaz de uma composição tão eficiente que, por mais cruel que possa agir, sempre torcemos para que consiga se redimir. Claro que o excepcional timing cômico de Janney ajuda, mas a verdade é que LaVona não é o tipo de pessoa que dá o braço a torcer.


Por falar em timing cômico, o longa-metragem acerta em cheio ao apostar no humor, aproveitando todo o potencial de passagens absurdas como aquelas que retratam as brigas de Tonya e Jeff, transformando sequências fortes em gags que se constroem quase que naturalmente, já que são concebidas pacientemente, impactando inicialmente, mas aos poucos revelando-se tão disparatadas que o riso acaba sendo uma consequência espontânea, o que fica evidente quando Tonya, para defender-se dos socos de Jeff, saca uma espingarda e tenta acertá-lo.


Jeff, em contrapartida, é interpretado por Sebastian Stan (o soldado invernal da Marvel) num tom abaixo de suas duas colegas, sendo competente ao retratar a fragilidade daquele homem, mas falhando nas cenas mais exigentes (vê-lo chorando atrás de uma porta é um embaraço irreparável).


A sorte é que atrás daquela porta estava Margot Robbie (a Arlequina de ‘Esquadrão Suicida’) que encarna Tonya Harding com uma entrega admirável: convencendo nas sequências de patinação, ao contrário do artificial cenário virtual, Robbie consegue a proeza de aliar força e leveza, numa atuação que justifica o reconhecimento recebido na atual temporada de premiações.


Destemida, Harding passa longe de ser frágil, encarando seus obstáculos com a mesma firmeza exigida por sua mãe, cujo relacionamento abusivo serviu apenas como preparação para uma vida difícil, visto que as constantes agressões físicas sofridas na infância, a fazem encarar com naturalidade a postura agressiva do marido, permitindo-a revidar cada murro dado. Além disso, sua recusa em assumir a culpa das próprias ações tem relação direta com a educação dada por sua mãe. Tonya Harding é uma figura trágica justamente em função de seu desenvolvimento humano problemático.


Esses problemas, por sua vez, são apresentados de forma crua, mas cômica pelo subestimado diretor Craig Gillespie (do bom ‘Horas Decisivas’) que ainda exibe talento nos sofisticados movimentos de câmera que acompanham as apresentações de Tonya. Gillespie ainda toma a corajosa decisão de estruturar a narrativa como uma espécie de documentário, subvertendo suas convenções ao investir frequentemente na quebra da quarta parede, o que é utilizado no formato de criativas intervenções, possibilitando gags, explicações (no melhor estilo ‘A Grande Aposta’) e outras funções.


Já a montagem de Tatiana S. Riegel (do excelente ‘O Verão da Minha Vida’) além de permitir que o espectador compreenda a coreografia das patinações, dá fluidez à narrativa, acompanhando o tom irreverente que impera no filme. E se a trilha sonora se destaca pelas ótimas canções (duas também estiveram presentes em ‘Guardiões da Galáxia’), é preciso apontar o desperdício de talento representado pela figura de Bobby Cannavale (do novo ‘Jumanji’) que é relegado a um papel que limita-se a provocar questionamentos a respeito de Tonya, mas que são pouco aproveitados pelo filme.


Além disso, a insistência do roteiro em mostrar como a ex-patinadora encarava com normalidade seus confrontos físicos com o marido soa repetitiva, cansativa e só enfraquece a narrativa. Por fim, o longa sinaliza uma crítica sobre o (mau) jornalismo que espetaculariza tragédias, mas sua condução capenga resulta num abandono abrupto durante o terceiro ato.


Divertido e com ótimas atuações de Margot Robbie e Allison Janney, Eu, Tonya é uma cinebiografia que se destaca pela estrutura irreverente e pelo potencial cinematográfico de sua (quase inacreditável) história real, revelando-se não só uma comédia eficiente, mas também um respeitável drama.


NOTA 7,5

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