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Foto do escritorGuilherme Cândido

Em 'Priscilla', Sofia Coppola volta a lidar com uma jovem em busca de liberdade

A filmografia da cineasta Sofia Coppola invariavelmente lida com jovens em busca da liberdade como um conceito amplo. Bons exemplos são os excepcionais As Virgens Suicidas e Encontros e Desencontros. Um caso mais abstrato talvez seja o recente (e subestimado) On The Rocks. Nada supera, porém, Maria Antonieta e sua fatídica batalha para manter sua identidade em meio às rédeas curtas do reino. Esse, aliás, é um dos pontos que o filme estrelado por Kirsten Dunst compartilha com Priscilla, cinebiografia da ex-esposa de Elvis Presley baseada no livro de memórias assinado por ela mesma.


O filme começa em 1959, com a então Priscilla Beaulieu, uma simples adolescente de 14 anos morando com os pais numa base aérea da Alemanha Ocidental. Seu pai, um capitão austero e do tipo que intimidaria qualquer pretendente, acaba sendo persuadido por um jovem com boa lábia e recursos aparentemente inesgotáveis. Tratava-se de ninguém menos do que o Rei do Rock. Mas como uma garota de 14 anos acabou se envolvendo com uma super estrela dez anos mais velho? Essa é a pergunta que Sofia Coppola tenta responder nas quase duas horas de projeção que se seguem. E ela consegue.

Primeiro, Coppola, também autora do roteiro, fornece a Priscilla tudo o que lhe faltou em Elvis, outra ótima biopic. Tomamos ciência de que foi Elvis quem insistiu engatar um relacionamento com a moça. Com a mesma determinação, também exigiu que ela aguardasse o casamento para que consumassem o amor que compartilhavam. E Cailee Spaeny, de 25 anos, assombra, convencendo possuir dez anos a menos. Numa performance repleta de nuances, a atriz é hábil ao transmitir as insatisfações da jovem sem recorrer a histrionismos. Pelo contrário, Spaeny é hábil ao ilustrar como Priscilla foi capaz de contar sua frustração de forma tão silenciosa.

Embora menos badalada do que a de sua colega, a atuação de Jacob Elordi não é nada má: fisicamente imponente graças aos quase dois metros de estatura, o australiano compõe Elvis como um misto de melancolia e cansaço. Tendo acabado de perder a mãe, ele inicialmente vê em Priscilla a oportunidade de ter "um novo rosto feminino com quem conversar". Exausto após uma longa temporada como o maior símbolo sexual do planeta, Elvis vislumbra na amada um porto seguro, a chance de um dia desfrutar da tão sonhada calmaria.

Coppola é especialmente eficaz ao ilustrar, de forma sutil, a crescente dependência de remédios que acometeu Elvis, um sujeito de comportamentos tão extremos que precisava de medicamentos para dormir e também para acordar. Isso, talvez (um grande "talvez", diga-se de passagem) possa explicar os súbitos rompantes de agressividade aos quais ele acaba inevitavelmente se entregando.

Mas o Elvis de Coppola (e sob a perspectiva da própria Priscilla Presley) é um cavalheiro nato, mesmo que se esqueça disso por momentos esporádicos. Do tipo que envia flores e abre portas para a namorada. Não demonstra desejo lascivo pela moça, insistindo para que ela se preserve até finalmente casarem. A fala sempre suave de Elordi (e sem o sotaque carregado exibido pelo ótimo Austin Butler em Elvis) corrobora esse retrato sensível do Rei do Rock e é o que impede o público de se revoltar quando Priscilla eventualmente se vê impossibilitada de negar o perdão.

O sexo, componente considerado sagrado por Elvis, acaba sendo o maior problema que a produção exibe (ou deixa de exibir, no caso). Diante de tantos adiamentos e de uma construção de expectativa, pular a consumação do casamento abre uma lacuna grande demais para ser preenchida por outros eventuais conflitos. Era um momento que faria bem ao filme desenvolver e que enriqueceria ambos os personagens.

Seguindo o padrão das atuações, o design de produção de Tamara Deverell (de O Beco do Pesadelo) é simplesmente irretocável. Não apenas pela reconstituição histórica, mas pela opulência que injeta nos interiores sofisticados da mansão de Elvis, algo que os planos fechados de Coppola transformam paulatinamente numa espécie de prisão, tamanha a sensação de claustrofobia. A realizadora, aliás, oferece uma de suas conduções mais sóbrias, o que pode sugerir uma impressão mais mundana do que parece. A verdade é que

a cineasta consegue unir estilo e substância, trabalhando, nos detalhes, todo o magnetismo entre Priscilla e Elvis, até o relacionamento finalmente descambar para o tóxico.


Ocasionalmente divertido e sempre envolvente, Priscilla reforça a regularidade de uma autora que merecia um prestígio muito maior do que possui, representando mais uma adição a sua já admirável filmografia.


NOTA 8


*Crítica originalmente publicada durante o Festival do Rio 2023

1 Comment


Jnei Cândido
Jnei Cândido
Jan 04

Parabéns pela crítica.

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