Elenco perdido e roteiro banal condenam 'Lift', filme de assalto da Netflix
Na tentativa de fazer um sub-Onze Homens e um Segredo para engrossar seu controverso catálogo, a Netflix presenteia seus assinantes com mais uma produção sem qualquer traço de personalidade e gelado em termos dramáticos. As comparações com a obra estrelada por George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Julia Roberts e outros astros só faz Lift: Roubo nas Alturas sofrer e nem as fracassadas tentativas de modernizar a história (o envolvimento de NFTs) trazem frescor a uma fórmula executada sem paixão.
A história apresenta Kevin Hart (O Homem de Toronto) como Cyrus, um ladrão engenhoso, mas nem tanto, pois acaba sendo encurralado pelas autoridades. Sua sorte é que há um criminoso ainda mais perigoso que ele na mira do governo, fazendo com que uma agente especial (com quem já teve um caso) seja designada para lhe propor um acordo: roubar uma preciosa carga do tal bandido em troca de sua liberdade. Essa missão, no entanto, não é nada simples, pois seu objetivo se encontra no interior de uma aeronave em pleno voo.
Aliás, F. Gary Gray, cuja carreira decolou (com o perdão do trocadilho) ao dirigir o remake estadunidense de Uma Saída de Mestre (outro filme de assalto), é incapaz de provocar tensão e sequer extrai boas performances de seu elenco. Sua languidez lembra o trabalho em Velozes e Furiosos 8, que apesar dos pesares ao menos possuía sequências de ação superiores. Aqui, o máximo que Gray consegue fazer é uma batidíssima cena de pancadaria no interior de um avião, tirando leite de pedra ao investir num elenco sem afinidade alguma com a ação.
Por falar em elenco, Vincent D’Onofrio pode ser experiente e talentoso, mas já não frequenta a elite de Hollywood. E, para piorar, é mal escalado num papel onde, ao tentar sair de sua zona de conforto, encarna um alívio cômico que imperdoavelmente não arranca risadas. Já Kevin Hart padece de forma semelhante, mas tremendamente irônica, pois encarna um protagonista que não lhe permite usufruir de seus consagrados dotes cômicos.
Ele não é Adam Sandler, a quem podemos muito criticar, mas que merece créditos por saber escolher projetos que o desafiem como intérprete (Joias Brutas, adquirido pela Netflix, comprova isso). A bagagem de Hart como comediante sabota seus esforços em fazer de Cyrus um líder sério e com um código de conduta rígido, mas isso, acredite, não é pior do que vê-lo bancar o fora da lei sedutor com a personagem da britânica Gugu Mbatha-Raw (Um Homem Entre Gigantes), com quem não possui a menor química.
Exibindo efeitos visuais irregulares, a narrativa ainda se dá ao luxo de passar por uma série de países, mesmo que o mau uso de tela verde evidencie as filmagens em estúdio. Esses momentos escancaram o plano agressivo de negócios da gigante do streaming e que foi brilhantemente ironizado por Nanni Moretti no recente O Melhor Está Por Vir: dominar mercados internacionais para aumentar a lista de territórios onde desova suas produções.
Isso para não mencionar as incongruências do texto de David Kunka, roteirista cujo último trabalho foi há 15 anos atrás (12 Rounds, com um até então novato John Cena). Kunka quer que acreditemos deliberadamente que Cyrus é um ladrão charmoso e habilidoso, mas não se dá ao trabalho de fornecer evidências que comprovem isso, dependendo da boa vontade do espectador para acreditar em algo visivelmente frágil em cena, devido principalmente aos já citados problemas envolvendo a escalação equivocada de Hart.
Ironicamente, Lift: Roubo nas Alturas se mostra tão desesperado para tirar seus atores da zona de conforto que esqueceu de si mesmo, oferecendo uma fórmula empregada sob medida para atrair espectadores desavisados e pouco exigentes. Parece até que a Netflix, ao invés de comprar os direitos de exibição de Onze Homens e Um Segredo, decidiu fazer sua própria versão, mas acabou apenas valorizando as qualidades do sucesso de 2001, que mesmo perto de completar 23 anos, permanece como a melhor opção do gênero.
Mas esse está disponível apenas na concorrência...
NOTA 3,5