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'Dogman' vira comédia involuntária nas mãos de Luc Besson

Foto do escritor: Guilherme CândidoGuilherme Cândido

*Crítica publicada durante o Festival do Rio 2023


Se logo após assistir a Hit Man me peguei pensando, confuso, no fato de o filme ter ficado de fora da competição pelo Leão de Ouro em Veneza, agora estou nada menos do que estarrecido ao constatar que o mesmo festival encontrou em Dogman um postulante a sua honraria máxima.


Escrito e dirigido pelo francês Luc Besson, cada dia mais distante de seu clássico O Profissional, o fime começa com um jovem sendo capturado pela polícia enquanto transportava dezenas de cães num caminhão e vestido de Marilyn Monroe. No melhor estilo Coringa, o rapaz passa a ser abordado pela Dra. Evelyn (Jojo T. Gibbs), psiquiatra que miraculosamente é capaz de fazê-lo conversar abertamente sobre toda a sua vida, incluindo menções a crimes e traumas de infância.

Se Besson, um dia, nos convenceu de que poderia possuir um mínimo de inteligência, tudo foi por água abaixo quando nos presenteou com o hediondo Lucy, demonstrando um alcance pueril ao ilustrar como agiríamos caso usássemos 100% de nosso cérebro, uma falácia cientificamente contestada que poderia ao menos render um bom filme, mas nem isso o cineasta conseguiu fazer.

Em Dogman, ele concebe o roteiro para pessoas aparentemente tão estúpidas como ele. Só isso para justificar as milhares explicações que ele se dá ao trabalho de oferecer, algo que até Christopher Nolan consideraria um exagero. O problema é que ele, ainda por cima, deve se considerar um gênio por brincar com as palavras, como na sequência em que uma faixa com a frase “em nome de Deus”, vista ao contrário, revela-se “dogman”. Falando nisso, o protagonista se chama Doug (a pronúncia em inglês se assemelha a “dog”, que significa “cachorro”, entendeu? Genial, não?). Há uma explicação até para o hábito de Doug se vestir de mulher (ele só tinha acesso a revistas de moda feminina). Eu poderia escrever páginas e mais páginas trazendo as explanações juvenis do realizador, mas prefiro passar para outra questão.

Pois Besson gasta uma tremenda energia explicando o óbvio, ao invés de revelar o motivo que levou o pai abusivo do protagonista a abrigar dezenas de cães a ponto de ter de construir um canil. A resposta imediata? Para ele ficar com ciúmes do amor do filho pelos animais e aprisioná-los juntos (“essa é a sua família agora!” grita o homem malvado). E o que dizer do tiro de escopeta À QUEIMA ROUPA que o menino leva no peito e que o faz apenas PERDER UM DEDO?

Sem contar as inúmeras sequências em que os cachorros, melhores amigos e aliados de Doug, se transformam em gênios do crime, invadindo e assaltando casas? Em certo momento da projeção, eu pensei estar assistindo a uma versão alternativa de Como Cães e Gatos e passei a aguardar ansiosamente pela entrada triunfal de Kitty Galore. Os cachorros, que segundo Doug jamais foram treinados, são inteligentes a ponto de entenderem o que o amigo humano diz e também sabem diferenciar pacotes de açúcar dos de farinha de trigo.

Dogman oferece uma experiência confusa, pois temos de quebrar a cabeça para entender o que diabos Luc Besson está tramando. Sua intenção é fazer uma comédia? Uma farsa? Um suspense psicológico? Um show burlesco? Ao final, nenhuma teoria se sustenta, pois o filme se leva a sério demais para ser encarado como uma paródia e é muito ridículo para ser interpretado como qualquer coisa diferente do humor.

Para piorar, parece que o roteiro abriga cinco filmes dentro da própria narrativa. Há mudanças tão bruscas de tom, que o espectador certamente ficará em dúvida se o montador original desistiu de encontrar um sentido e simplesmente abandonou a produção, largando o pepino nas mãos do pobre Julien Rey (cúmplice habitual de Besson). Depois de um início absolutamente desolador, a narrativa simplesmente abraça um segundo ato que busca entreter o espectador ao mostrar como Doug trabalha em conjunto com os cães para ganhar dinheiro e se encerra do jeito mais Luc Besson possível, com uma sequência de ação que beira o inacreditável (faltou apenas a famigerada bazuca, que sempre dá as caras nos filmes do diretor francês).

Transformando-se numa edição para idiotas de Esqueceram de Mim, sai o estudo de personagem promissor e entra o Homem-Cachorro do título, que apesar de incapaz de passar mais do que alguns minutos fora da cadeira de rodas, conseguiu plantar armadilhas que ajudassem os cachorros a executarem caricatos marginais latinos como se fossem versões caninas de John Wick.

Diante de um texto tão estapafúrdio e inacreditavelmente ruim, fico com pena de Caleb Landry Jones, que há anos vem oferecendo performances cada vez melhores, como o Red Welby do excepcional Três Anúncios Para um Crime ou o complexo protagonista do formidável Nitram. Como Doug, ele não faz diferente, entregando-se de corpo e alma a um personagem que possuía imenso potencial no papel, mas que se perde numa história caótica.

Desleixado, o filme ainda comete o amador deslize de escalar um ator de olhos escuros para interpretar Doug na infância, enquanto na fase adulta é interpretado por um Caleb Landry Jones de olhos azuis. O que esperar também de uma produção que inclui policiais que mais parecem variações do Frank Drebin de Corra Que a Polícia Vem Aí? Aliás, há uma sequência involuntariamente hilária em que os cachorros de Doug invadem uma delegacia para resgatá-lo (isso mesmo que você leu) e um deles NOCAUTEIA um policial simplesmente latindo. Aparentemente, o oficial morreu de susto... Vale ressaltar também que ele era a única pessoa em todo o recinto. Nada, porém, se compara ao detetive que vai investigar o local e sequer nota a presença de câmeras, qualificando-se imediatamente para integrar o elenco do próximo Loucademia de Polícia.


Cafona, ridículo, imbecil e, em última análise, extremamente frustrante, Dogman talvez fosse encarado com alguma condescendência caso fosse desovado em algum serviço de streaming, mas não após ser selecionado por festivais tão prestigiados como os de Veneza e do Rio de Janeiro. E que tenha competido pelo Leão de Ouro no lugar de Hit Man é algo que jamais compreenderei.


NOTA 2

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