Desnecessário, remake de "Mansão Mal-Assombrada" parece saído de streaming
Além de possuir um catálogo interminável de clássicos da animação, séries e curtas, outras fontes de adaptações para a Disney são as atrações de seus parques temáticos. No entanto, a casa do Mickey ainda não conseguiu replicar o sucesso das aventuras de Jack Sparrow, cuja franquia Piratas do Caribe já gerou mais de 4.5 bilhões de dólares através de cinco filmes. Não foi por falta de tentativa, já que o estúdio que acabou de completar 100 anos de existência, vem de dois fracassos consecutivos nas bilheterias, o subestimado Tomorrowland (2015) e o derivativo Jungle Cruise (2020).
Mansão Mal-Assombrada é uma das mais antigas “rides” da Disneylândia (primogênito de Walt Disney situado na Califórnia) e fez tanto sucesso que foi incorporado aos demais complexos, como o de Orlando e o de Paris. O conceito é tão simples quanto parece, mas isso não impediu os executivos de encomendarem um roteiro que mais tarde se tornaria um longa-metragem protagonizado por Eddie Murphy e dirigido por Rob Minkoff (do clássico atemporal O Rei Leão) em 2003.
Longe de ser a bomba que costumam disseminar, a primeira adaptação de Haunted Mansion (no original) sofreu, na verdade, por jamais encontrar um equilíbrio no tom de sua narrativa, às vezes assustadora demais para os pequenos e excessivamente bobo para os adultos. Com isso, nem os surpreendentemente excepcionais efeitos visuais salvaram a produção de amargar um acachapante fracasso de público e crítica. Vinte anos se passaram e cá estamos nós, diante de mais uma tentativa da Disney de emplacar Mansão Mal-Assombrada entre a nova geração.
Escrito por Kate Dippold (Caça-Fantasmas) e dirigido por Justin Simien (da série Cara Gente Branca), esta nova versão busca manter a maior distância possível daquela protagonizada por Eddie Murphy. A maior prova disso é a tentativa de se aprofundar no drama do protagonista vivido por LaKeith Stanfield, um homem atormentado pela morte da esposa. Ben Matthias é um astrofísico que aparentemente conheceu a mulher de sua vida, mas um acidente de carro tirou a vida daquela com quem planejava se casar. Deprimido, ele passa os dias como guia turístico, função antigamente desempenhada pela amada.
Stanfield, que despontou na série Atlanta e teve seu talento reconhecido ao receber uma indicação ao Oscar pela performance no ótimo Judas e o Messias Negro, é hábil não apenas em alcançar a densidade dramática pretendida pelo script, como também demonstra ter bom timing cômico. Além disso, assim como aconteceu no amalucado e pouco visto Desculpe Te Incomodar, Stanfield tem carisma suficiente para carregar o peso do protagonismo.
O elenco ainda conta com nomes interessantes como a sempre divertida Tiffany Haddish (O Peso do Talento), a recém-vencedora do Oscar Jamie Lee Curtis (numa participação pequena, mas marcante) e os intermináveis Danny De Vito (A Luta de Uma Vida) e Owen Wilson (Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania). De Vito pouco pode fazer além do tipo de papel que vem representando nos últimos anos, como o senhorzinho rabugento certo de estar perto da morte de Jumanji, já Wilson, que superou uma grave crise particular (incluindo uma tentativa de suicídio) e vem aparecendo com mais frequência em projetos de larga escala, rouba a cena como o padre Kent, sujeito de boa lábia e sorriso irresistível, mas que esconde alguns segredos importantes e revela outros divertidos, como o fato de os fantasmas não entenderem latim e dificultarem seus procedimentos (numa referência bem sacada a O Exorcista). Claro que por se tratar de um filme da Disney, nos deparamos com questões familiares e nesse ponto o filme está bem servido, com a talentosa Rosario Dawson (Space Jam: Um Novo Legado) exibindo ótima química com o pequeno Chase Dillon (do estiloso Vingança e Castigo), um achado notável (tente não rir só de olhar para o seu rosto).
Contando com algumas participações especiais, Mansão Mal-Assombrada é tudo aquilo que se espera de uma produção desse tipo, atualizando com relativa competência uma história que, sejamos sinceros, não é das mais fascinantes. Por outro lado, alguns detalhes chamam atenção, como as brincadeiras envolvendo alguns nomes. Alistair Crump, por exemplo, é uma inusitada mistura entre Aleister Crowley (célebre poeta e ocultista britânico) e Donald Trump (que dispensa apresentações), formando a improvável combinação que nomeia o vilão vivido por Jared Leto (Pequenos Vestígios). Já o caso da vidente vivida por Tiffany Haddish é mais literal, homenageando a ativista Harriet Tubman. Os fãs mais atentos dos parques Disney também perceberão a inclusão da canção “It’s a Small World”, tema de outra tradicional atração (será uma dica da próxima tentativa da Disney?).
Enquanto isso, o cineasta Justin Simien resolve com habilidade o desequilíbrio de tom que acometeu a versão anterior, beneficiando-se de um design de produção que concebe os fantasmas com traços cartunescos e utilizando o humor para suavizá-los. Os arrepios não chegam a durar o bastante para afastar as crianças, que, em contrapartida, deverão levar bons sustos. A mansão, diga-se de passagem, é fruto de um trabalho eficiente do designer de produção Darren Gilford (TRON: O Legado, fazendo o caminho inverso ao se tornar uma montanha-russa no parque da Flórida), que valoriza a diversidade de cenários. Corredores intermináveis e o aspecto neo-grego são valorizados pela iluminação e pelo esquema de cores. Note a predominância do azul (reforçando o aspecto fantasmagórico), por exemplo, com traços alternados entre roxo e verde (tons normalmente associados à morte).
Um dos poucos aspectos realmente divertidos do primeiro, os bustos de pedra que falavam por meio de versos cantados, infelizmente surgem apenas como easter eggs, o que deve decepcionar os fãs. Em contrapartida, a dinâmica do heterogêneo grupo de personagens funciona, levando a um clímax previsível como toda a estrutura narrativa que a comporta, mas reservando momentos agradáveis. É uma pena, no entanto, que a roteirista Kate Dippold não encontre uma maneira mais sutil de manter sua trama compreensível para os mais jovens, apelando para explicações a todo momento (“esses papéis contam o que aconteceu na casa!”, chegando até mesmo a desenhar (!) num determinado momento. Furos também deverão ser encontrados sem grandes dificuldades, como o cavaleiro que subitamente para de seguir os moradores da mansão, o fantasma que pode voar, mas escolhe andar apenas para servir ao suspense ou a facilidade com que os personagens se esbarram, mesmo num casarão com uma infinidade de cômodos.
Investindo numa conclusão satisfatória, embora esquemática, que felizmente não pega carona na onda recente de melodrama que vem dominando os blockbusters da Disney, Mansão Mal-Assombrada é o típico remake que não pedimos ou sequer esperávamos, mas que chega como uma alternativa mais familiar e descompromissada em tempos de Barbenheimer. Aliás, se até Tom Cruise está sofrendo na briga contra o evento mais esperado pelo entusiastas da Sétima Arte, haverá espaço para Mansão Mal-Assombrada?
NOTA 5,5
Vou assistir.