Descartável e mecânico, "Borderlands" interrompe boa fase das adaptações de games
Foram décadas de frustrações com adaptações cinematográficas patéticas até os fãs de videogames finalmente poderem usufruir da atual sequência de sucessos produzida por Hollywood. A bilheteria bilionária de Super Mario Bros. – O Filme (a animação do ano passado e não a bizarrice de 1993) e os Emmys conquistados por The Last of Us denotam um prestígio inédito até então, o que certamente está fazendo os executivos da Indústria olharem para os games com uma nova perspectiva. Dito isso, é uma pena que Borderlands faça um tremendo esforço não apenas para encerrar essa boa fase, mas para nos lembrar da famigerada época na qual produções baseadas em jogos eletrônicos inspiravam desconfiança a partir do momento em que eram anunciadas.
Aclamado por especialistas, amado por jogadores mundo afora e responsável por injetar mais de um bilhão de dólares nos cofres da desenvolvedora 2K através da venda de 77 milhões de cópias (e contando), era uma questão de tempo até Borderlands ser levado às telonas. Misturando elementos de RPG a uma jogabilidade em primeira pessoa, o game se apresenta como uma versão psicodélica de Mad Max, mas com fortes traços inspirados na ficção científica por meio da presença de robôs, armamentos a laser e naves espaciais. O tipo de maluquice que, nas mãos talentosas de um James Gunn da vida, poderia representar, ao menos, um ótimo entretenimento. Falando nisso, qualquer semelhança entre essa adaptação cinematográfica de Borderlands com Guardiões da Galáxia não passa de uma (calculada) coincidência.
Isso porque a trama escrita pelo diretor Eli Roth ao lado do inexperiente roteirista Joe Abercrombie (responsável pelo script de um episódio da série Love, Death & Robots e nada mais), possui tantos elementos em comum com a franquia de super-heróis da Marvel que chega a ser constrangedor. Lilith (Cate Blanchett) é uma caçadora de recompensas contratada para recuperar Tina (Ariana Greenblatt) a filha perdida do vilanesco Atlas (Edgar Ramirez), sem saber que a menina já foi encontrada por Roland (Kevin Hart) e ainda é protegida por Krieg (Florian Munteanu), um brutamontes mascarado e com mentalidade infantil. Claro que em algum momento eles perceberão que algo se esconde por trás das intenções maquiavélicas de Atlas e precisarão se unir para impedir a destruição do Universo.
Se a própria sinopse não lhe convencer da “inspiração” em Guardiões da Galáxia, os primeiros minutos de projeção eliminarão qualquer dúvida com a paleta saturada do diretor de fotografia Rogier Stoffers (indicado ao Emmy pela minissérie Hemingway & Gellhorn) transformando Borderlands numa aventura tão colorida quanto aquelas vividas por Peter Quill e seus amigos. Os penteados e os figurinos espalhafatosos também marcam presença (com destaque para a cabeleira vermelha de Lilith), mas a maquiagem protética permanece como um ponto ainda exclusivo dos Guardiões. Sobra até para a trilha sonora, mas ao invés das canções escolhidas a dedo por James Gunn, o longa é embalado por hits já utilizados antes e em momentos infinitamente mais marcantes, como Ace of Spades (Em Mandando Bala, Clive Owen atira em todo mundo enquanto corre com um bebê em mãos) e Supermassive Black Hole (quem não se lembra da estranhíssima partida de beisebol em Crepúsculo?).
Caso essas semelhanças estivessem a serviço de uma produção minimamente divertida, poderíamos até fazer vista grossa, mas elas apenas escancaram a falta de inspiração de Eli Roth, cineasta conhecido como uma voz (nada eloquente) do terror contemporâneo (especialmente da vertente torture porn) e que aqui demonstra uma alarmante carência de afinidade com a comédia, matando as pretensões do projeto. Autor de besteiras apelativas como O Albergue e Bata Antes de Entrar, Roth, um eterno adolescente, limita-se a diálogos e momentos escatológicos, sendo salvo esporadicamente pela performance vocal de Jack Black com o irritante robô Claptrap. No restante do tempo, acompanhamos os personagens sendo atingidos por urina alienígena, vemos uma máquina defecar projéteis e sofremos com o desperdício do único comediante legítimo do elenco se resignando à tentativa de posar como ator de ação.
Kevin Hart, presente em sucessos como Jumanji, Um Espião e Meio e Policial em Apuros, vem tentando se reinventar, mas assim como aconteceu no recente Lift: Roubo nas Alturas, surge perdido e deslocado, embora protagonize um momento verdadeiramente tocante (uma sequência envolvendo um boneco de pelúcia). E como tudo parece fora do lugar em Borderlands, nada mais (anti)natural do que ter um talento como Cate Blanchett limitando-se a fazer pose na hora de fuzilar inimigos (o que funciona, diga-se de passagem). O que não funciona é colocar sua personagem como peça-central de uma reviravolta nada surpreendente e que, de quebra, apresenta um dos piores CGI dos últimos anos (lembre-se que tivemos Liga da Justiça, Flash e uma infinidade de produções Marvel para competir...).
Enquanto a promissora Ariana Greenblatt, tão bem em Barbie, volta a estrelar uma bomba após 65 – Ameaça Pré-Histórica, Edgar Ramirez (Fúria de Titãs 2), outro talento desperdiçado, deve ter tido mais prazer em contar o dinheiro que recebeu para estar aqui do que para encarnar Atlas, um antagonista de planos genéricos e parca presença de cena. E se você é fã de Jamie Lee Curtis (vencedora do Oscar por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo), prepare-se para vê-la apenas na segunda metade da história...
A ação depende de Cate Blanchett para pelo menos soar estilosa, pois a câmera lenta aparentemente é o único recurso visual conhecido por Eli Roth, que conduz as sequências de forma burocrática, refletindo por tabela as artificiais interações entre os personagens. Note, por exemplo, como alianças são feitas e desfeitas sem qualquer peso narrativo, soando apenas como etapas a serem cumpridas pelo roteiro. E o que dizer do pavoroso desfecho, cujo sentimentalismo só não é mais barato do que os efeitos visuais empregados para construí-lo?
Munido de uma narração em off que, obviamente, some durante todo o segundo ato e com seus personagens saltando de obstáculo para obstáculo até o confronto com o chefão no final, Borderlands cumpre a missão de referenciar a dinâmica dos videogames, mas acaba soando mesmo é como um daqueles intermináveis tutoriais que somos obrigados a enfrentar antes de o jogo começar.
Observação: Há uma brincadeira durante os créditos finais
NOTA 3,5
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