"Depois de Ser Cinza", um retrato maduro e complexo de uma juventude ansiosa
É curioso que Depois de Ser Cinza acabe estreando apenas duas semanas após Oppenheimer, outro filme contado sem o menor apego à cronologia tradicional. Enquanto este tipo de narrativa é uma das marcas registradas de Christopher Nolan, ainda é cedo para dizer o mesmo sobre Eduardo Wannmacher, pois além do roteiro não ser de sua autoria, trata-se de sua estreia como diretor de longas-metragens. A trama escrita por Léo Garcia (Legalidade) é dividida em capítulos, cada um dedicado a um personagem. O objetivo é mostrar como três mulheres completamente diferentes têm suas jornadas impactadas pelo mesmo homem: Raul (João Campos, da série O Rei da TV), cujas conexões com Isabel, Suzy e Manuela são reveladas de forma não-linear, mostrando como a pesquisa para um artigo sobre Antropologia na Croácia mudou completamente as vidas de todos os envolvidos.
A fotografia de Leonardo Maestrelli (estreando na função) valoriza a bela geografia Croata, com enquadramentos pictóricos de montanhas nevadas, estradas à beira-mar, rios e pontes. O véu acinzentado que envolve grande parte da projeção, especialmente nas tomadas internas, mais intimistas, reflete a melancolia que toma conta dos personagens. Até mesmo o tempo constantemente nublado é utilizado em prol da narrativa, que apenas esporadicamente se permite utilizar cores. É o caso, por exemplo, do azul que explode na tela quando Manuela está nadando, ou do verde quando Raul está se banhando no mar mediterrâneo. São momentos especiais justamente pela importância velada que Wannmacher concede aos elementos. Enquanto a água pontua o relacionamento de Raul com Manuela (uma nadadora contumaz), o fogo (simbolizado pelo isqueiro cromado) é uma dolorosa e intermitente lembrança dos momentos ao lado de Suzy. Assim, é natural que um acontecimento-chave leve Raul a procurar o mar nos momentos que abrem e encerram elegantemente a narrativa.
Já Bruno Carboni (da série Cidade Invisível) cumpre com louvor o desafio de conferir dinamismo e sentido à narrativa, investindo numa montagem que jamais menospreza a inteligência do espectador, algo digno de aplausos numa época em que somos tratados como estúpidos por estúdios e realizadores que passam o tempo todo explicando e relembrando o que está acontecendo na tela. A intrincada teia de acontecimentos pode soar confusa nos primeiros momentos, com os eventos cronologicamente embaralhados, mas à medida em que permite gradualmente que encaixemos sozinhos as peças do quebra-cabeças, nosso envolvimento emocional é recompensado. Ajuda o fato de a produção se dedicar aos detalhes, incluindo componentes que interligam as histórias. Alguns mais claros (o isqueiro, a menção à terapia) outros mais sutis (a blusa da mesma cor que os olhos de Manuela, o motivo de uma viagem de carro).
O capricho técnico é refletido pelo elenco homogêneo. João Campos, por exemplo, opta por uma composição introspectiva, com tom de voz baixo e olhos expressivos. É admirável a forma como o ator brasiliense transmite os diferentes estágios da vida de Raul, inicialmente um jovem ansioso para desbravar o mundo e posteriormente um sujeito amargurado e passível de rompantes de agressividade, algo compartilhado pela gaúcha Elisa Volppato (Bom Dia, Verônica), que surge em cena carregada de hostilidade, mais tarde transmitindo a realidade de muitas mulheres que resolvem fugir para a Europa em busca de uma vida melhor. São personagens que invariavelmente experimentam algum tipo de desilusão e a forma como lidam com a incerteza do futuro é o que realmente interessa ao texto denso de Léo Garcia.
O roteirista não perde tempo com intrigas e nem se seduz pelo suspense quando a oportunidade se apresenta. A princípio, a postura entristecida e enigmática de Raul oferece uma série de possibilidades, especialmente quando Isabel cai no choro diante de uma descoberta que é negada ao público. Os eventos são meros combustíveis para os diálogos rápidos, repletos de tiradas sentimentais e que comprovam a vocação da narrativa para o drama, mas sem resvalar no melodrama. O texto, em contrapartida, esbarra em incongruências que representam grandes distrações, pecados capitais quando consideramos a proposta intimista. O relacionamento entre terapeuta e paciente não se constrói com o mesmo cuidado dedicado a outros casais que se formam. Até a postura dos envolvidos sofre uma metamorfose artificial e a estranheza é ampliada quando a família da terapeuta entra em cena em tão pouco tempo. Um efeito colateral da noção de tempo prejudicada pela fragmentação narrativa, que dilui determinados arcos dramáticos através dos saltos temporais.
É fascinante também perceber como a trilha sonora ostensiva do trio Loving Room é empregada, emulando um sufocamento que já era ressaltado pelos planos fechados, contribuindo para o sentimento de claustrofobia que ocasionalmente acomete Raul. Com isso, não deixa de ser confuso perceber a irregularidade da iluminação, principalmente nos ambientes internos, algo ecoado pelo som, outro elemento com potencial de dispersar o espectador.
Depois de Ser Cinza é um retrato maduro e complexo de uma geração ansiosa, desesperada para viver, mas sem saber exatamente como. Fotografada com esmero, trata-se de uma estreia segura e refinada de um cineasta que demonstra um potencial considerável a ser desenvolvido.
NOTA 7,5
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