'Deadpool & Wolverine' reaproxima a Marvel de seus fãs
Se Deadpool é uma das franquias cinematográficas mais rentáveis da atualidade, isso se deve a Ryan Reynolds, ator que passou anos tentando encontrar seu lugar no nicho dos super-heróis. Enquanto o primeiro longa-metragem, fruto de uma insistência que beirou a irresponsabilidade por parte do canadense, foi celebrado não apenas como uma conquista pessoal, mas também como um sopro de frescor num subgênero que já mostrava sinais de fadiga em 2016, Deadpool 2 consolidou Reynolds como uma força dentro da Indústria, embaçando as fronteiras entre personagem e intérprete ao mesmo tempo em que alçava a irreverência e a acidez como sua marca registrada.
No entanto, muita coisa aconteceu nos seis anos que antecederam a estreia deste terceiro filme do amado personagem criado pelos quadrinistas Rob Liefeld e Fabian Nicieza. A Fox, dona dos direitos de adaptação do Mercenário Tagarela, foi adquirida pela Disney e os Vingadores saíram de cena deixando um grande vácuo dentro da Marvel, cujo Universo Cinematográfico, antes predominante em Hollywood, agora experimenta uma inédita má fase. Basicamente, isso é tudo o que você precisa saber antes de assistir a Deadpool & Wolverine, badalado debute de Ryan Reynolds na Casa do Mickey e sob o selo (agora oficial) da gigante dos quadrinhos.
Para completar sua trilogia (pois além de astro e roteirista, também é produtor dos filmes), Reynolds tirou Hugh Jackman da aposentadoria como o carcaju mutante e chamou para si a tarefa de resgatar o prestígio do UCM, gravemente manchado após uma série de fracassos comerciais na TV, no Streaming e nos cinemas. Se antes a franquia serviu para redimir o protagonista de seus tropeços profissionais e depois para sacramentá-lo como a estrela dos adolescentes, agora está na hora de Deadpool se tornar uma espécie de Jesus e salvar a Marvel. Palavras dele, não minhas.
Figura onipresente nas produções anteriores, a chegada de Jackman como Wolverine só é surpreendente para quem realmente acredita em “aposentadorias” no Cinema (até Sean Connery já voltou atrás na decisão de deixar James Bond, afinal). Na verdade, ele nem é o único a topar reencarnar um personagem para dividir a cena com Reynolds, mas esse é um assunto que não abordaremos para evitar spoilers, certo?
Na verdade, há pouco o que se dizer sobre a própria trama de Deadpool & Wolverine, visto que o quinteto por trás do roteiro produz um mero fiapo que funcione como desculpa para Ryan Reynolds tirar sarro de tudo o que você pode e até do que você não é capaz de imaginar, ainda mais por se tratar de uma produção da Disney. Muitos devem pensar nas restrições quanto a drogas e piadas sexuais, mas Reynolds vai além do humor juvenil e tece críticas realmente pesadas à alta cúpula do estúdio (seus chefes, por assim dizer). “O multiverso já deu o que tinha que dar, sigam em frente!”, diz o anti-herói em determinado momento, sem deixar de lembrar dos recentes fracassos amargados pela Marvel.
Dizer que o filme é feito sob medida para os fãs pode parecer lugar-comum, mas, desde Vingadores: Ultimato em 2019, a chamada “Casa das Ideias” se afastou tanto de seu público que o retorno triunfal da “Fórmula Marvel” talvez seja até encarada como algo positivo (e não é) depois de tantos deslizes. Acontece que Reynolds sempre soube exatamente o que seus espectadores desejam, para o bem e para o mal.
A boa notícia, para os fãs do humor verborrágico do ex-Lanterna Verde, é que Deadpool & Wolverine oferece doses cavalares de tudo aquilo que deu certo nos dois filmes anteriores. A má é que as fartas gargalhadas virão embaladas numa estrutura tão vazia quanto o lugar governado pela vilã Cassandra Nova. Da mesma forma, é impossível ignorar a presunção de Reynolds ao misturar-se com Deadpool para pretensamente “salvar” o UCM. As bilheterias, no entanto, devem mesmo consagrá-lo como o mais novo Messias da Marvel. Até porque, grande parte do público que irá aos cinemas assistir ao filme se contentará, sem ressalvas, com a metralhadora de piadas personificada por Deadpool. E tudo bem.
Verdade seja dita, já que é tudo feito na base da sacanagem (no bom sentido), fica difícil extrair alguma seriedade e/ou comoção quando se pede, mas o arco de superação protagonizado por Logan é tão superficial e convencional quanto o drama vivido por Wade Wilson e pior é a motivação por trás da vilã vivida por Emma Corrin (a Princesa Diana da série The Crown). Já o personagem de Matthew MacFadyen (o Tom da série Succession) simplesmente some do filme em determinado momento e sequer sentimos sua falta, o que definitivamente não é um bom sinal. E o que dizer da falta de consequências reais? Até essa antiga característica dos filmes da Marvel é resgatada!
Enquanto isso, para a sorte da produção, nos acabamos de rir com alfinetadas a um estúdio concorrente, provocações à versatilidade de Hugh Jackman (estrela de musicais de sucesso no Cinema e no Teatro) e brincadeiras com colegas de trabalho. E quando tudo estiver caindo na mesmice, com a história perdendo o fôlego, lá estará nosso bravo protagonista para nos acalmar (“já estamos chegando ao final, eu prometo!”).
O humor pode até funcionar lindamente, pois depende exclusivamente de Reynolds e seu excepcional timing cômico, mas a ação, exuberante em Deadpool 2, é conduzida de forma burocrática por Shawn Levy, diretor que costuma transformar boas premissas em obras, no máximo, medianas (Uma Noite no Museu, Uma Noite Fora de Série e Projeto Adam são alguns exemplos), mas que surpreendeu com o bacana Gigantes de Aço. Levy ao menos parece consciente de suas limitações e faz o possível para não comprometer as sequências de ação. Ele acabando caindo como uma luva para o projeto, pois é um profissional que não procura os holofotes, ficando confortável por trás dos panos. E a última coisa que precisamos é de alguém tentando eclipsar Ryan Reynolds, não é verdade?
Afinal de contas, por trás da pretensão de ressuscitar o Universo Marvel, se esconde um sentimento de gratidão pelo que veio antes. O reconhecimento de uma era que hoje pode ser objeto de escárnio, mas que foi fundamental para possibilitar o domínio cultural que experimentamos hoje. As novas gerações precisam saber que os X-Men, aqueles mutantes vestidos de couro da cabeça aos pés, precisaram estrear para mostrar que super-heróis não eram apenas para crianças.
E não nos esqueçamos da 20th Century Fox, o estúdio que deu sinal verde não só para a turma liderada pelo Wolverine, mas também para o Blade, para o Quarteto Fantástico, para o Motoqueiro Fantasma, para a Elektra, para o Demolidor e tantos outros. Essas tentativas e erros não foram esquecidas por Reynolds e seus colegas roteiristas, que prestam uma bem-vinda homenagem em meio ao caos que reina absoluto por pouco mais de duas horas de projeção.
Duas horas de entretenimento, mas também de terapia, porque, em última análise, Deadpool & Wolverine funciona como uma longa DR entre a Marvel e os espectadores. Quis o destino que o mediador dessa reconciliação, após um longo período de afastamento, fosse justamente aquele que tanto se beneficiou dessa situação. Antes um crítico do establishment super-heroico, Ryan Reynolds se certifica de tentar restaurá-lo para posteriormente integrá-lo.
Foi preciso um estúdio ser engolido e o mais improvável dos (anti) super-heróis para resgatar um subgênero em queda vertiginosa no conceito do público e nos cofres da Indústria, caindo em desgraça para a surpresa de alguns, mas não para Martin Scorsese, Steven Spielberg, Francis Ford Coppola e outros “velhos que só fazem filmes longos e chatos”. Ora, quem são eles perto de homens barbados vestindo collant para nerds púberes urrarem de gozo dentro dos cinemas? Então, sim, a Marvel está de volta.
Resta saber quanto tempo durará essa sobrevida...
Observação: Há uma sequência pós-créditos
NOTA 7
Parabéns pela crítica