"Corsage" apresenta Imperatriz Sissi como um espírito livre
Assim como aconteceu com Lesley Manville esse ano em Sra. Harris Vai a Paris, Vicky Krieps, cinco anos após Trama Fantasma, está novamente envolvida com produtos da alta costura europeia. Desta vez, no entanto, a atriz luxemburguesa deixa de lado o papel de mera modelo, para encarnar a Imperatriz Elisabeth da Áustria, carinhosamente apelidada de Sissi. Corsage, por outro lado, constrói um retrato ficcional dos últimos anos de vida da monarca. Escrito e dirigido pela austríaca Marie Kreutz (O Chão Sob Meus Pés), o filme se desenvolve como uma mistura de Spencer e Maria Antonieta, ao apresentar uma figura grande demais para ser espremida na jaula de costumes da Realeza enquanto toma algumas liberdades artísticas através de pequenos anacronismos.
Encarnando Sissi como um espírito livre, Vicky Krieps (A Luta de Uma Vida) tem a primeira grande oportunidade de comprovar seu talento, já que vem de uma série de projetos que não exigiram muito de suas habilidades. Aqui, Krieps é hábil ao fazer de Elisabeth uma mulher inquieta, desconfortável com as limitações impostas pelo ambiente sisudo que habita. Carecendo do carisma de Kristen Stewart no supracitado filme sobre a Princesa Diana, e da simpatia de Kirsten Dunst como Maria Antonieta, a atriz descoberta por Paul Thomas Anderson se sai relativamente melhor ao retratar o lado acrático de sua personagem.
Com figurinos que prezam muito mais pela beleza estética do que por um eventual reflexo da personagem, a reconstituição de época impressiona pelos valores de produção, evidenciados pelos corredores dos suntuosos palácios retratados, mas também pelo cuidado com detalhes que acabam refletindo elementos da própria história, como no imenso retrato do Imperador Franz Joseph numa das salas onde se encontra Elisabeth e que ecoa não apenas seu narcisismo como também a onipresença na vida da mulher. Tão falsa quanto as costeletas que usa em suas aparições públicas, o relacionamento do Imperador com Elisabeth é utilizado como mais um dos catalisadores de uma postura marcada pela imprevisibilidade.
É curioso notar, entretanto, como a cineasta Marie Kreutz se permite trair a época que ambienta sua história (1878). Há a presença de um cinematógrafo, por exemplo, além de peças (de figurino e da arquitetura) que só viriam a aparecer anos mais tarde (e uma brincadeira hilária envolvendo o comentário sobre o desejo por um aparelho que viria a ser conhecido como ar-condicionado), num esforço anárquico que acaba indo ao encontro da mentalidade da protagonista. O tempo, aliás, torna-se um elemento central da narrativa. Afinal, estamos falando da história de uma protagonista que é dada como velha aos quarenta anos de idade.
Servindo como um estandarte do feminismo ao gozar de uma liberdade incomum para a época, Sissi permanece interessante até o final, com a postura irreverente já consolidada. Assim, aqueles que estiverem buscando por uma reconstituição fiel poderão sair desapontados, já que a realizadora Marie Kreutz está mais interessada no caráter ficcional de sua obra, o que não elimina seus méritos artísticos, especialmente alcançados através de uma direção de arte acurada e uma interpretação despojada de sua protagonista.
NOTA 6,5
* Crítica publicada durante o Festival do Rio 2022
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