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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Compra-me um Revólver" se perde em devaneios narrativos

Tudo que vai acontecer é real. A sorte é real. O meu pai é real


Existe um quê de trapaça em colocar uma criança para narrar um drama adulto. A inocência juvenil (com o perdão do trocadilho) desarma qualquer um e em Compra-me um Revólver, serve como um eficiente contraponto. Porém (e novamente perdoe o trocadilho), o tiro sai pela culatra no momento que as palavras supracitadas são proferidas, pois colocam em xeque a credibilidade dos fatos e traz subjetividade ao texto.


Começando com um letreiro indicando que a história não se passa numa data específica, ficamos sabendo apenas que ela se passa no México, num momento onde o Cartel controla todo o país e não há mulheres. É então que somos apresentados a Huck, uma menina que vive escondida como um menino junto ao pai, para não ser “roubada” (lembre-se que não há mulheres). Os dois moram num trailer próximo a um campo de beisebol, frequentemente utilizado por membros do Cartel e que é administrado por seu pai.


Estabelecendo-se como uma volátil mistura de Filhos da Esperança com Projeto Flórida, o filme passa a seguir Huck em sua rotina diária, brincando com seus amigos e sendo cuidada pelo pai. Os problemas começam a surgir à medida que o tempo passa, mas a história não avança. Nada parece acontecer, além de pequenos eventos pouco relevantes para o progresso narrativo. E o diretor Julio Hernández Cordón não demonstra qualquer sinal de segurança em relação ao caminho a seguir.


Seguiremos a partir do ponto de vista de Huck nesse mundo duro e dominado por figuras malignas? Quais os objetivos do Cartel? O que o pai de Huck planeja fazer? Por quê as mulheres deixaram de existir? O que levou o México a sucumbir ao domínio do Cartel? Quais são os anseios dos personagens? E acredite, eu poderia passar os próximos parágrafos só escrevendo perguntas que se acumulam e não são respondidas.


Pelo contrário, Cordón prefere bombardear a narrativa com elementos estéticos que jamais refletem um propósito. Sim, há beleza na fotografia de Nicolás Wong, que aproveita a árida paisagem mexicana para construir belos planos, como aquele que centraliza Huck em contraluz, com o horizonte avermelhado de fim de tarde ao fundo. Porém, sem significados, isso tudo soa como mera firula estilística.


O mais frustrante é ver boas ideias serem apresentadas e logo descartadas. Há um menino que busca recuperar seu braço, amputado pelo Cartel após ser pego roubando. Mas essa triste e trágica subtrama é negligenciada para que outras propostas surjam e sejam esquecidas imediatamente, como a identidade do chefe, que chega a ser citado como uma mulher, por um personagem.


A jovem Huck é fruto de um belo trabalho de interpretação, mas isso não parece chamar a atenção do diretor Cordón, cuja câmera fria e distante está mais interessada em focá-la de costas ou em tomadas aéreas. O pai de Huck também é um tremendo desperdício, sendo jogado para escanteio sem, ao menos, o direito de uma conclusão adequada.


Resta ao espectador desfrutar dos bons momentos resultantes da relação de Hulk e seu pai, cujo amor genuíno quase chega a comover. “Quase”, pois seu desenvolvimento, pra variar, é prejudicado pelo desnorteio narrativo. O maior exemplo disso talvez seja a curiosa cena onde Huck, contra sua vontade e vendo seu pai sofrer, lhe oferece cocaína. Um gesto que, se fosse melhor explorado, provavelmente não teria causado desconforto. Ah, e nem é preciso dizer que não temos ideia da procedência dessa droga.


Encerrando a narrativa de forma abrupta e inconclusiva (a menos que haja a intenção de fazer uma continuação), Compra-me um Revólver começa do nada e não chega a lugar algum, tecendo um mero exercício estético que revela apenas a natureza pretensiosa do roteiro, cujo niilismo soa meramente involuntário.


NOTA 3

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