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Foto do escritorGuilherme Cândido

'Babygirl' só tem olhos para Kidman, que não precisava brilhar sozinha


Os thrillers eróticos estão de volta. Não que tenham sumido completamente das telas, mas o volume de obras do gênero vem aumentando nos últimos anos enquanto vai ao encontro da recente onda de nostalgia que domina a indústria. Sensação nos anos 90 através de sucessos como Paixão Sem Limite, Proposta Indecente, Invasão de Privacidade e Garotas Selvagens, esse tipo de filme costuma gerar mais interesse em função de controvérsias (motivadas por pura publicidade ou não) do que pela história a ser contada. Como resistir a um jogo de sedução interpretado por atores famosos? James Spader e Michael Douglas podem ter reinado nesse subgênero, mas é Sharon Stone e sua indefectível cruzada de pernas em Instinto Selvagem que vem à mente quando ouvimos “thriller erótico”. O próprio retorno de Adrian Lyne, outro símbolo dessas histórias picantes, com o ridículo Águas Rasas, já pintava como um baita indício e, se ainda havia alguma dúvida desse ressurgimento, 2024 nos trouxe Mea Culpa, o brasileiríssimo Motel Destino e, o melhor, Love Lies Bleeding. Babygirl, mais recente lançamento da produtora queridinha A24 só está chegando agora aos cinemas tupiniquins, mas fez barulho no circuito de festivais do ano passado, especialmente em função da presença de Nicole Kidman.

O prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza deixou a australiana em boa posição para emplacar sua sexta indicação ao Oscar (venceu em 2003 por As Horas), mas não apenas graças às sequências quentes que corajosamente protagoniza aos 57 anos. Afinal de contas, ela esteve ao lado de Tom Cruise no subestimado De Olhos Bem Fechados, dirigido pelo mestre Stanley Kubrick em 1997. O desprendimento de Kidman em cena denota uma entrega absoluta no papel de Romy, uma poderosa e bem-sucedida executiva que apesar de bem casada com o diretor teatral Jacob (Antonio Banderas) se vê atraída pelo jovem estagiário vivido por Harris Dickinson.

Quem já viu dois ou três thrillers eróticos na vida perceberá logo de cara que, apesar de seguir fielmente a cartilha do gênero, o filme escrito e dirigido pela holandesa Halina Reijn (do divertido Morte, Morte, Morte) promove uma inversão de papéis, já que normalmente é o homem, em posição de poder, quem sucumbe ao jogo de sedução d’uma beldade. Sai a femme fatale, entra o garotão rebelde e descolado, numa dinâmica que funciona plenamente graças à química entre o par principal. Essa mudança, embora não seja a única, sobressai por se adequar a um cenário criativo pós-movimento #MeToo, criando subterfúgios para promover o empoderamento feminino.

Esse viés progressista, no entanto, é uma das poucas cartas na manga guardadas por Reijn, uma diretora sagaz o bastante para apresentar Antonio Banderas como o marido traído, subvertendo as expectativas de quem se acostumou a ver o espanhol desempenhar, como poucos, o papel do amante latino viril e charmoso capaz de destruir o mais sólido dos casamentos. Mas não se engane, pois o roteiro se encaixa com perfeição no modelo de sucesso nos anos 80. Espere ver Samuel (Dickinson) tomar o controle das mãos de Romy e embaçar as fronteiras entre as vidas pública e particular da mulher, até a situação se tornar insustentável. Quem espera por vastas e intensas sequências de sexo talvez saia decepcionado, pois Babygirl não busca o prazer barato e a escassez de nudez vai ao encontro da postura avessa à objetificação sustentada por Reijn, num ponto positivo por um lado e insuficiente por outro.

Dickinson diverte e se diverte ao mostrar Samuel explorando os limites de Romy, acertando principalmente ao sugerir que o sujeito está apenas curtindo o momento às custas da chefe. O britânico, por sua vez, é negligenciado pelo script em prol da protagonista, único objeto de interesse de Reijn. Não me entenda mal, Babygirl oferece o tipo de matéria-prima que uma atriz sonha ter em mãos e Kidman, ciente disso, entrega-se sem vaidades e oferece maravilhas. O equilíbrio na mistura de fragilidade (o estagiário sabe exatamente o que a executiva mais deseja) com altivez (ela está à altura do cargo que ocupa) é algo que só alguém extremamente talentoso é capaz de alcançar e a veterana se aprofunda nas camadas de Romy.

O problema é que a mulher chega a um ponto em que deixa de ser capaz de identificar os próprios desejos e saciá-los torna-se impossível para o rapaz, num impasse mal concebido por falhar em mostrar o que o causou. Seria insegurança ou medo? Do quê exatamente? Essas perguntas rondam a cabeça do espectador enquanto Romy aos poucos se transforma numa figura irritante. E isso acontece em virtude da abordagem exagerada por parte da roteirista, vítima do fascínio cego despertado por Nicole Kidman. Há momentos em que chega a ser palpável a sensação do acompanhamento excessivo da vida de Romy. Descansar sua imagem abriria espaço para desenvolver Samuel, elemento cujo potencial é ignorado. Babygirl, nesse aspecto, soa como um mero veículo para sua atriz principal, a maior estrela da companhia, brilhar intensamente e se credenciar para receber elogios superlativos.

Salpicando a narrativa com subtramas pertinentes, mas (novamente) pouco desenvolvidas, como a relação entre Romy e uma funcionária (que abre espaço para uma discussão maior sobre o que a executiva representa como mulher de sucesso) ou uma chantagem que se converte numa sequência fugaz, pronta para viralizar nas redes sociais e aumentar o interesse pela obra, Babygirl é um thriller erótico moderno em sua embalagem e convencional através do seu conteúdo, escapando da mediocridade graças a presença de Nicole Kidman, fadada ao brilho desnecessariamente solitário.


NOTA 7

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