"As Tartarugas Ninja" voltam em filme adolescente para as novas gerações
As Tartarugas Ninja já passaram pelas mãos de diversos artistas desde que foram criadas pelos quadrinistas Kevin Eastman (cujo sobrenome batiza a escola de April) e Peter Laird, mas poucas vezes vimos o lado adolescente dos quelônios. Por isso, para comandar esta nova versão, um reboot multimídia (ganhará também uma série na Nickelodeon), difícil imaginar uma dupla mais qualificada do que Seth Rogen e Evan Goldberg, responsáveis pelo memorável Superbad - É Hoje, o filme adolescente definitivo da geração que cresceu nos anos 2000.
Na trama, de forma breve e objetiva, somos relembrados pelo Mestre Splinter (Jackie Chan na dublagem original) sobre a origem de seus filhos Leonardo, Michelangelo, Donatello e Rafael, num monólogo artificial, mas inevitável, afinal, estamos diante de um projeto ávido por conquistar novos fãs. Isso explica algumas liberdades criativas tomadas por Rogen e Goldberg. Nada muito radical, é verdade, mas que são sentidas pelo público e não revelarei para não estragar eventuais surpresas.
A dupla, aliás, se mostra tão desesperada em se conectar com a geração TikTok que às vezes chega a ser embaraçoso, como as insistentes referências ao K-Pop e a um anime específico. A determinação em agradar todos os públicos é tão grande, que disparam referências a todo tipo de pérolas da Música e do Cinema. Assim, fãs dos anos 80 se sentirão representados por uma menção a Curtindo a Vida Adoidado, ao passo que os “noventistas” reconhecerão “What’s Up?”, da banda 4 Non Blondes e deverão se empolgar com uma piada sobre Ei Arnold, enquanto a década seguinte é contemplada com uma hilária referência a Velozes e Furiosos - Desafio em Tóquio.
Chega a ser curioso que os roteiristas mostrem-se tão carentes, tão obcecados em serem acolhidos por praticamente todas as gerações, já que a aceitação é justamente o tema central da história, algo que o script também não deixa que nos esqueçamos. Pois não passam 10 minutos sem que o filme nos lembre de seu mote, martelando tantas vezes seu discurso, que o impacto se dilui aos poucos, dinamitando o potencial dramático do clímax. E os fãs mais fervorosos das Tartarugas devem se preparar para um final que possui algumas decisões ousadas tomadas pelos realizadores. Por se tratar de uma obra assinada por Seth Rogen e Evan Goldberg, igualmente responsáveis pelo ofensivo É o Fim, o espectador também deve esperar piadas escatológicas e insinuações sexuais, embora estas últimas, obviamente, sejam mais sutis, já que estamos diante de uma animação voltada principalmente para as crianças.
E se a estrutura narrativa é ligeiramente formulaica, abarcando convenções para se acomodar mais confortavelmente no subgênero dos coming of age, ao menos a produção acerta em cheio ao distinguir cada uma das tartarugas, atribuindo características marcantes ao quarteto sem esquecer das personalidades estabelecidas pelas obras anteriores. Nesse aspecto, os fãs irão se deliciar com praticamente todas as marcas registradas da franquia, incluindo frases de efeito e vilões clássicos. Além disso, se as produções do passado optavam por jogar os holofotes sobre Michelangelo, o mais bem humorado do grupo, este novo filme não hesita em apostar na figura de Donatello para dialogar com o público mais jovem, roubando a cena como um nerd viciado em tecnologia (e que não sai do celular).
O que mais chama atenção na produção, porém, é seu visual, cujo estilo carregado foi obviamente influenciado pelo fenômeno Homem-Aranha no Aranhaverso, que logo após mostrar ao mundo que há vida inteligente fora dos padrões Disney de animação, levou para casa um merecidíssimo Oscar de Melhor Animação. Se o longa sobre Miles Morales estreitou os laços com os quadrinhos, Caos Mutante busca traços mais rudimentares, extraídos de desenhos feitos à mão e cujos resultados são visíveis na tela. A técnica utilizada pode até ficar abaixo do Aranhaverso, pois mais criativo e sofisticado em sua abordagem, mas encanta especialmente na composição de uma Nova York pulsante ao seu próprio modo, contrastando com os ambientes claustrofóbicos dos esgotos que servem de lar para os protagonistas.
A montagem é outro departamento que merece destaque, dando vazão à energia quase inesgotável da narrativa, um eco da personalidade de seus heróis. O ritmo (fluido e dinâmico) contribui para a criação de uma atmosfera agradável e que estende o tapete vermelho para Rogen e Goldberg brilharem com gags realmente inspiradas, como aquelas que envolvem Ratatouille e Shrek (obras-primas dos concorrentes). Mas há espaço para piadas internas também, como ao colocar a australiana Rose Byrne para dublar um crocodilo... australiano, com forte sotaque e fazendo várias brincadeiras com a cultura de lá (sobra até para um restaurante famoso por uma certa cebola).
Enquanto isso, se as canções escolhidas soam bem menos arrebatadoras do que as de Aranhaverso, Caos Mutante se beneficia do talento dos compositores Trent Reznor e Atticus Ross (duas vezes vencedores do Oscar, por A Rede Social e Soul), que fazem de tudo para escaparem da salada de frutas rítmica no qual o enredo está imerso. Por fim, é preciso dar créditos para a singela homenagem prestada pelo filme ao gigante Jackie Chan, cujo personagem, Mestre Splinter, protagoniza uma sequência de ação no mesmo estilo consagrado pelo ator chinês, incorporando objetos à luta e sempre com o humor físico dando o tom da coreografia
Fazendo valer o “caos” presente no título, este novo As Tartarugas Ninja pode até exagerar em muitos aspectos, implorando pela atenção dos mais jovens enquanto não deixa de acenar para os adultos, mas que se revela uma experiência absolutamente divertida e envolvente, comprovando que os personagens continuam rendendo boas histórias.
Obs: Há uma sequência pós-créditos
NOTA 7,5
Como já é de costume parabéns pela crítica . Bom filme.