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Foto do escritorGuilherme Cândido

'Armadilha' envolve, mas ainda não é o retorno triunfal de Shyamalan


Estamos em 2024 e fãs do cineasta M. Night Shyamalan continuam esperando seu retorno triunfal à boa forma. Era para acontecer com A Visita, e seu filme seguinte, Fragmentado, até sustentou os sinais de que o brilhantismo de O Sexto Sentido poderia ressurgir a qualquer momento, mas então nos decepcionamos com Vidro e vimos o indiano de fato retornar... ao fundo do poço. Pois Tempo também marcaria o início da nova fase de Shyamalan, antes o autoproclamado “Mestre das Reviravoltas Finais” e agora o “criador de experiências”, no melhor estilo Além da Imaginação. A entressafra na filmografia Shyamalaniana, felizmente, foi interrompida com Batem à Porta, longa-metragem que reforçou o talento do autor para trabalhar com ideias originais. Além disso, a habilidade para movimentar a câmera, dominar o cenário e manter a tensão palpável amenizaram os problemas de roteiro (também escrito por Shyamalan). Agora com Armadilha, o ex-Novo Hitchcock volta a tropeçar, mesmo que dessa vez o resultado não seja tão desastroso como ele já demonstrou ser possível...

Josh Hartnett, de Falcão Negro em Perigo, Xeque-Mate e, mais recentemente, Oppenheimer, estrela como Cooper, bombeiro pai de família que resolve levar a filha pré-adolescente ao show de uma diva Pop no melhor estilo Taylor Swift. Uma vez dentro da arena, o protagonista percebe um contingente policial acima do normal e uma intensa movimentação nos bastidores. O que estaria motivando tamanha mobilização? Acontece que toda a estrutura foi montada como uma sofisticada armadilha a fim de atrair e capturar um famoso assassino em série. Inquieto com a situação, Cooper passa a chamar a atenção da filha, que se divide entre a preocupação com o pai e o júbilo de estar perante sua cantora favorita.

Se M. Night Shyamalan ficou famoso pelos finais surpreendentes, dessa vez a revelação chega ainda no primeiro ato (e no trailer), quando descobrimos que Cooper É o tal assassino. A narrativa, então, se beneficia da dinâmica de um jogo de gato e rato com a polícia fechando o cerco, mas ficando sempre um passo atrás do Açougueiro (como é conhecido o criminoso). De fato, o principal atrativo de Armadilha, ao menos durante a primeira metade de projeção, é acompanhar Cooper buscando uma forma de escapar do local sem levantar suspeitas e, mais importante, sem estragar aquela que pode ser a noite mais especial da vida da própria filha.

Shyamalan pesa a mão na linguagem, investindo em planos que enchem a tela com o rosto dos atores, especialmente Hartnett, que aproveita cada segundo de tela para comprovar todo o talento que escondeu durante seus primeiros anos de carreira. Eficaz ao ilustrar as duas facetas de Cooper, Hartnett adota um sorriso quase maníaco e um jeito de falar calculadamente gentil que, quando aliados aos modos rápidos e certeiros, quase denunciam sua natureza homicida. Ele é bem-sucedido também ao demonstrar a inteligência do serial killer, mas nesse caso é preciso admitir a completa estupidez de praticamente todos aqueles que cruzam seu caminho (como um ambiente com 20 mil pessoas pode facilitar a prisão de um assassino?). E é aí que começa a derrocada de Trap (no original), que parte de uma premissa instigante e vai minguando até culminar num final absolutamente tenebroso.

O roteiro abusa da suspensão de descrença e investe em coincidências e circunstâncias que caem de mão beijada no colo de Cooper. Para piorar, algumas atitudes simplesmente não fazem sentido e a ideia de usar uma “live” para solucionar um crime ultrapassa as fronteiras do absurdo. Seja um funcionário entregando uma informação crucial sem desconfiar, a facilidade com que Cooper consegue fazer com que a filha seja escolhida para subir ao palco ou a inexplicável proximidade com a cantora, Armadilha vai se tornando cada vez mais inverossímil até o terceiro ato mandar pelos ares toda a boa vontade que restava no espectador, quando a produção deixa de ser um suspense psicológico tenso e com várias possibilidades para ganhar contornos genéricos. Essa mudança de chave, aliás, sabota por tabela todo o comprometimento de Hartnett, cujo personagem vira uma mistura de Jack Torrance com Hannibal Lecter.

Fracassando ao salpicar humor no meio da narrativa, exalando constrangimento em alguns instantes, Shyamalan, ao menos, é fiel à sua postura autoindulgente, algo que se manifesta desde seus primeiros passos em Hollywood. Não bastasse o excesso de confiança na própria habilidade de iludir seu público – na vã esperança de não vermos os buracos do roteiro – M. Night ainda escala a própria filha como a cantora Lady Raven. Saleka Shyamalan compôs e performou cada uma das canções, que não chegam a ser ruins, mas ocupam mais tempo do que deveriam dentro da narrativa (papai estava orgulhoso). A personagem também protagoniza uma parcela de sequências artificiais e é praticamente alçada ao protagonismo no terço final.



Se M. Night Shyamalan definitivamente desistiu de tentar surpreender seu público, é melhor se apressar na busca por um novo chamariz para seus filmes, pois a experiência oferecida em Armadilha passa muito longe de representar o “comeback” (ainda) tão sonhado por seus fãs.


Observação: Há uma sequência durante os créditos finais.


NOTA 4,5

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