Ao Cair da Noite disfarça-se de terror para apostar no drama
No cinema, há vários casos de filmes que não correspondem as expectativas. Não pelo fato de serem ruins, mas por construírem uma ideia, através de vídeos e artes promocionais, que não condizem com a proposta do filme. E com o lançamento do trailer de Ao Cair da Noite, isso foi exatamente o que aconteceu, pois foi criada uma imagem equivocada da produção, que passou a ser encarada como um genuíno exemplar do gênero horror.
Sim, há elementos que poderiam se encaixar facilmente num filme terror, mas o longa-metragem dirigido por Trey Edward Shults não está muito interessado em provocar medo no espectador e, sim, em oferecer uma experiência inquietante e desconfortável através da situação vivida por seus personagens. Trata-se de uma produção que investe muito mais na atmosfera do que em qualquer outro elemento, o que acaba transformando Ao Cair da Noite em um drama com pitadas de suspense.
Também escrito por Shults, o roteiro já coloca o espectador no meio de uma situação delicada, quando uma família tem de lidar com a morte de um de seus membros através de uma doença desconhecida e aparentemente contagiosa. Sem dar qualquer tipo de explicação (ou demonstrar o interesse de fazê-lo), Shults nos leva a crer que a tal família vive sem eletricidade e fortemente armada contra algum tipo de ameaça que possa vir a surgir.
Como é possível perceber, Ao Cair da Noite não se importa de deixar questões sem respostas, a fim de se concentrar em sua principal virtude: o clima inquietante que paira sobre toda a narrativa. Com isso, passamos a acompanhar o cotidiano da tal família sabendo praticamente nada, numa espécie de rima com o título do filme, que nos deixa no escuro absoluto.
Exibindo uma estrutura narrativa que pontua a projeção com sequências de pesadelo, vale atentar para o artifício utilizado por Shults, que sempre emprega um fade out antes de introduzí-las e que acabam se justificando, podendo ganhar utilidade até mesmo em preencher possíveis lacunas.
As dúvidas logo deixam de ser importantes à medida que a narrativa avança, mantendo o interesse do espectador através, por exemplo, da boa trilha sonora de Brian McOmber, que ajuda a criar uma ambientação que em nenhum momento permite que o espectador relaxe, como fica evidente na sequência que começa com um personagem dirigindo uma picape e cuja tensão é crescente.
Investindo pesado numa paleta de cores frias, a fotografia de Drew Daniels consegue transmitir, com competência, toda a melancolia do universo concebido por Shults, enquanto aproveita para construir enquadramentos elegantes como aquele em que aproveita um corredor pouco iluminado para revelar paredes repletas de fotografias e uma sinistra porta vermelha ao fundo. Aliás, o design de produção também não faz feio, fazendo bom uso das locações e tendo sucesso, em especial, na concepção da casa que serve de cenário para a maior parte da trama.
Concebendo Paul, o líder da família, como um sujeito frio e racional, mas que não se furta em acalentar sua esposa e filho, Joel Edgerton (Êxodo: Deuses e Reis) oferece mais uma ótima atuação, transformando o protagonista numa figura humana e sensível, características fundamentais para que possamos ter empatia e até nos identificarmos com seus posicionamentos. Caso fosse interpretado por um ator menos hábil, Paul fatalmente correria sério risco de soar até mesmo como um vilão.
Falando nisso, o cineasta merece elogios pela coragem de atribuir a vilania não a uma figura de carne e osso, que seria a opção mais óbvia e preguiçosa, mas a algo cuja natureza abstrata torna sua ameaça ainda mais palpável. Já o jovem Kelvin Harrison Jr. (da minissérie Raízes) brilha justamente por adotar uma composição marcada pela discrição, ao passo que Carmen Ejogo (do fraco Alien: Covenant) passa toda a responsabilidade carregada pela matriarca da família. Christopher Abbott, por sua vez, é o grande destaque do elenco secundário, transitando entre as várias nuances de seu personagem com distinção, destacando-se principalmente em suas cenas durante o terceiro ato.
No final das contas, Ao Cair da Noite acaba assumindo o risco implicado em sua decisão de adotar o simples. E Shults segue fiel à sua proposta até o fim, quando encerra sua história com uma sequência que provocará sensações diferentes em cada espectador.
Desnecessário? Talvez, mas isso não afasta os méritos conquistados ao longo de seus bem aproveitados 90 minutos.
NOTA 6,5
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