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Foto do escritorGuilherme Cândido

'Amigos Imaginários' apresenta fábula agradável, mas caótica


Apesar de se destacar no remake estadunidense da série britânica The Office, John Krasinski não teve uma passagem muito produtiva por Hollywood. Estrelou um par de comédias românticas esquecíveis e tentou emplacar como astro de ação (embora tenha patinado ao ser dirigido por Michael Bay no irregular 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi, ao menos protagoniza a série Jack Ryan até hoje). No entanto, foi como diretor e roteirista que o eterno Jim Halpert acabou se encontrando de fato, alcançando um enorme (e surpreendente) sucesso com Um Lugar Silencioso, longa-metragem de terror protagonizado por Emily Blunt (sua esposa) que rapidamente se transformou em franquia e o estabeleceu como um dos nomes mais promissores de sua geração. O prestígio conquistado foi tamanho, que Krasinski poderia tocar o projeto que quisesse em seguida e a escolha não poderia ser mais distinta.

Chegando aos cinemas brasileiros nesse final de semana, Amigos Imaginários é uma história doce e sensível, mas também carente de uma condução mais objetiva. A falta de um direcionamento mais claro, talvez consequente da inexperiência de seu autor, converte o roteiro numa aventura tão deslumbrada com as possibilidades, que acaba sem tempo para desenvolvê-las. É como se o filme tentasse percorrer todos os caminhos no horizonte e, com isso, não conseguisse sair do lugar.

Krasinski elege Bea (Cailey Fleming) como nossa guia por um universo inventivo e repleto de peculiaridades, mas essa parte fica para um segundo momento, pois antes precisamos entender os motivos que a levam a não se considerar uma criança. Embora tenha doze anos de idade, a protagonista recentemente perdeu a mãe para uma doença misteriosa e foi obrigada a morar com a avó quando o pai começou a trilhar o mesmo caminho. Ele está certo de que se recuperará, precisando ser internado apenas para curar o “coração partido”. Nesse ponto, só podemos especular o que de verdade aflige o personagem, vivido pelo próprio diretor/roteirista com energia, simpatia e graça semelhantes ao Bert de Dick Van Dyke em Mary Poppins. Ignorar a suposta gravidade da situação, dançando com um tripé porta-soro, claro, enfurece Bea, mas não tanto quanto a resposta que obtém ao suplicar por seriedade: “Nunca!”.

Essa nova rotina marcada pela apreensão com o estado de saúde do pai, as ansiedades infantis e a exploração de um território desconhecido (agora eles vivem em Nova York) ganha um tempero quando Bea vê de longe uma criatura misteriosa. Parecendo ter saído diretamente de um desenho animado da era de ouro da TV, Blossom (voz de Phoebe Waller-Bridge, estrela do mais recente Indiana Jones), tenta fugir, mas acaba tendo de apresentar a jovem ao supostamente encantando mundo dos IFs (Imaginary Friends, no original). “Supostamente”, pois há uma crise tão grave em curso que nem Cal (Ryan Reynolds, dispensando apresentações) está sendo capaz de gerir. Acontece que a partir do momento em que as crianças crescem e se esquecem de seus amigos imaginários, esses seres ficam à deriva.

Como é possível perceber, o volume de informações é grande e sequer cheguei a arranhar a superfície do roteiro. Um problema prejudicado pelo agravante de envolver uma produção infantil, mas mesmo que John Krasinski decidisse mirar no público mais velho, a complexidade de seu texto soma-se a uma dificuldade latente de definir os reais objetivos da trama, demonstrando uma falta de foco que mergulha Amigos Imaginários no absoluto caos. Várias premissas instigantes são lançadas, como o menino Benjamin (Alan Kim, de Minari), cuja busca por um MIG gera uma das melhores sequências do filme (uma espécie de entrevista de emprego com diversas criaturas), a própria jornada de Blue (voz de Steve Carell, o Michael de The Office) para encontrar seu antigo amigo, levando nossa heroína pelas ruas de Nova York e até mesmo as necessidades da tal agência administrada por Cal e Blossom. Mas afinal de contas, o objetivo é fazer Bea ajudá-los? Ou o inverso?

As coisas se complicam quando nos deparamos com um “retiro de amigos imaginários”, o local para onde vão as criaturas que já não possuem conexões humanas. Lá, uma infinidade de personagens enriquece a produção, mas o máximo que Krasinski consegue extrair são uma deslocada sequência musical e uma passagem tecnicamente complexa em que Ryan Reynolds se desloca por corredores enquanto estes se modificam em tempo real (raccords, movimentos de câmera e trucagens fazem tudo parecer ainda mais belo e engenhoso). Reynolds, aliás, fica preso a um papel que não lhe oferece oportunidades para explorar seu ótimo timing cômico. Cal, por sua natureza contida e reativa, praticamente se opõe ao estilo do ator canadense, numa situação semelhante ao que ocorreu com Jim Carrey em Os Pinguins do Papai, quando o genial comediante limitava-se a reagir às aves digitais. Enquanto isso, a veterana Fiona Shaw (a Tia Petúnia de Harry Potter) brilha como a avó nada convencional de Bea: note que apesar de ser amorosa, ela não faz o tipo cozinheira e se dá ao luxo de falar sobre seus sonhos, protagonizando uma suntuosa sequência em contraluz.

Já Cailey Fleming, revelação da série The Walking Dead quando interpretou Judith Grimes, dá vazão a todo o potencial demonstrado também ao encarnar a jovem Rey do péssimo Star Wars: Episódio IX – A Ascensão Skywalker: com um semblante que lembra Jennifer Jason Leigh, Fleming consegue a proeza de tornar Bea uma personagem doce, de fibra e extremamente carismática. E é preciso coragem para assumir a tarefa de rejeitar o estilo alegre e amável de ninguém menos que o sempre encantador John Krasinski. Nas mãos de uma intérprete menos hábil, Bea poderia facilmente soar antipática e desagradável. Do estrelado elenco de dubladores originais, elogiar a performance de Steve Carell como o gigante gentil Blue é chover no molhado, mas aqui cabe mais um elogio à produção, por deixar de lado os efeitos digitais e permitir que identifiquemos com facilidade as marcas registradas de todos os seus membros, que incluem George Clooney, Emily Blunt, Matt Damon, Awkwafina e o sempre divertido Sam Rockwell, como um cãozinho super-heroico.

Essa reunião de alguns dos maiores e mais premiados astros de hollywood não é feita ao acaso, já que estão a serviço de uma galeria fascinante de personagens frutos do brilhante trabalho do design de produção. Como não admirar, por exemplo, a sacada de conceber o amigo imaginário de um sedento viajante do Arizona como um falante cubo de gelo dentro de um copo d’água e dublado por Bradley Cooper com o mesmo vigor que empregou no Rocket de Guardiões da Galáxia? Há também uma agradável ursa de gelatina, um marshmallow flamejante e um espevitado detetive.

É uma pena que o diretor enxergue a necessidade de injetar conteúdo em sua história, como se precisasse de densidade dramática para legitimar essa jornada já agradável e criativa o bastante para nos envolvermos. Pesa contra nosso ex-Jim Halpert sua inexperiência ao lidar com temas sensíveis, o que leva a história por caminhos ricos em sacarose. Ao menos sua inspiração em Steven Spielberg (ele pega emprestado Janusz Kaminski, parceiro habitual do lendário cineasta) oferece alguns enquadramentos impactantes, como a escadaria que muda de significado de acordo com a perspectiva e seu consagrado apreço por feixes de luz. Da mesma forma, a açucarada trilha do habitualmente excepcional Michael Giacchino (Batman) transita por elementos aventurescos e dramáticos com a habilidade de sempre.

Em última análise, Amigos Imaginários é vítima das ambições de seu realizador, que almeja aliar o entretenimento escapista que a premissa tanto oportuniza, a algumas mensagens edificantes, ora esbarrando na pieguice, ora complicando demais o enredo. É evidente a intenção de transformar o roteiro numa alegoria para o luto e pela preservação das memórias (bebendo da fonte do ótimo Sete Minutos Depois da Meia-Noite, de J.A. Bayona), soando esporadicamente como se fosse um live-action da Pixar, mas a verdade é que o texto depende, mais do que deveria, do apelo de suas boas intenções. Cabe ao espectador não tentar acompanhar o fluxo aleatório de ideias, mas simplesmente embarcar nessa jornada colorida e amalucada que, a priori, pode até não atingir o alto patamar que perseguia, mas ao menos gerará pouco mais de uma hora e quarenta minutos de bons momentos em família.


Observação: Há uma sequência pós-créditos que homenageia Louis Gossett Jr., dublador do urso Lewis e que faleceu em Março deste ano.



NOTA 6

2 Comments


Jnei Cândido
Jnei Cândido
Jun 02

Parabéns pela crítica

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Jnei Cândido
Jnei Cândido
Jun 02

Parabéns pela crítica

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