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Foto do escritorGuilherme Cândido

'Alien: Romulus' recoloca a franquia nos trilhos voltando às raízes do terror


O cineasta Ridley Scott já presenteou o mundo com algumas das obras mais influentes do Cinema, como Thelma & Louise (1991) e Gladiador (2000), mas foi no campo da ficção científica que o britânico cravou seu nome na História centenária da Sétima Arte. Estou falando de Blade Runner – O Caçador de Androides (1982) e, claro, Alien: O Oitavo Passageiro (1979). Se o primeiro, embora cultuado, ainda claudica para se firmar como produto, os filmes estrelados pela temível criatura não apenas marcaram a cultura popular como são uma espécie de evento perene nos multiplexes do mundo todo.


O prestígio adquirido com a produção de 1979, no entanto, permitiu ao diretor quatro vezes indicado ao Oscar tocar outros projetos, fazendo com que a série passasse por outras mãos. James Cameron (Avatar) foi o primeiro e mais bem-sucedido a mexer com o legado de Scott, substituindo o horror pela ação, sua especialidade, e alçando Sigourney Weaver ao panteão das heroínas modernas. As duas sequências posteriores, apesar de dirigidas por profissionais talentosos como David Fincher (Se7en – Os Sete Crimes Capitais) e Jean-Pierre Jeunet (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain), ficaram aquém das expectativas e deterioraram a popularidade da franquia, que ficaria na geladeira por uma década e meia até ser resgatada justamente por Ridley Scott.

Que ainda gozava de algum prestígio, principalmente por conta de sua fiel e combativa base de fãs. No entanto, verdade seja dita, para cada Gladiador, vinha um enfadonho Robin Hood e para cada O Gângster, um inacreditável Um Bom Ano. Por isso, a ideia de recomeçar a série com Prometheus, sugerindo uma reaproximação com o horror junto de um aprofundamento da mitologia de Alien, pode até ter animado os fãs na época, mas quando se revelou mais uma decepção, não chegou a surpreender os críticos, particularmente este que vos escreve.

A premissa, admito, era instigante, pois apresentava a criatura como parte de um argumento envolvendo a nossa criação e o sentido da vida. O que era para ser Ciência, foi substituído por religião e a mitologia da série se perdeu completamente com a aposta numa promessa que jamais foi cumprida (perdoe o trocadilho). Os poucos que foram assistir a Prometheus largaram a mão de seu criador e o deixaram sozinho para tentar uma última cartada com Alien: Covenant, que naufragou nos cinemas sob o pretexto de (novamente) resgatar o horror presente no primeiro filme. Pobre de discurso e apelativo em termos de linguagem, Covenant marcou o canto do cisne de Ridley Scott como líder criativo da franquia. Ainda bem.

Sua permanência a frente dos projetos cinematográficos começou a fazer mal à série, que estava à deriva e sem a popularidade de outrora. Quis o destino que o consagrado, mas em declínio, Scott, desse lugar ao promissor Fede Alvarez. A chegada do cineasta uruguaio não foi fácil, pois antes dele, Neil Blomkamp, sul-africano indicado ao Oscar por Distrito 9 e fã incondicional de Alien, quis tirar do papel o projeto dos seus sonhos (que marcaria o retorno de Ripley, diga-se de passagem), mas foi vetado por Scott, teimoso e reticente em largar o osso. Influente na saudosa Fox, o britânico custou a abraçar a ideia de desapegar e quando o fez, Blomkamp já não estava mais disponível, mas seu sucessor não poderia ter sido melhor escolhido. Fede Alvarez já havia surpreendido ao, veja só, comandar a nova versão de Evil Dead – A Morte do Demônio, outra amada franquia de terror, mas foi com O Homem nas Trevas que ele mostrou que tinha potencial. Portanto, apesar dos acertos, Alvarez ainda era um talento a se provar em Hollywood. Não é mais, pois Alien: Romulus comprova que Fede Alvarez veio para ficar.

Escrito pelo próprio Alvarez ao lado de Rodo Sayagues (seu parceiro habitual), o roteiro, inteligente, não se apressa em estabelecer conexões narrativas com os filmes anteriores, escalando Cailee Spaeny (Priscilla) como a estrela da vez. Ela encarna Rain, jovem que não vê a hora de deixar a colônia mineradora onde reside para buscar uma vida melhor em outro planeta ao lado de Andy (David Jonsson), androide que tem como irmão. Vivendo em condições miseráveis, os habitantes do lugar são, em sua maioria, escravos da corporação Weyland-Yutani (o primeiro elemento canônico utilizado). Após ter seus planos frustrados por uma recente mudança na política da empresa (que estendeu, sem aviso, os horários de trabalho requisitados), Rain não vê alternativa senão embarcar numa jornada ao lado de Tyler (Archie Renaux) e seus ambiciosos amigos. A ideia é seguir o sinal emitido por uma antiga e, aparentemente, abandonada estação espacial que provavelmente contém combustível criogênico suficiente para possibilitar a tão sonhada (e longa) fuga para o planeta Yvaga. Como estamos assistindo a uma obra da franquia Alien, é claro que a tal estação não está vazia e será palco do momento mais aterrorizante das vidas dos esperançosos e inocentes protagonistas.

Ainda que conte com uma parcela considerável de referências (principalmente a O Oitavo Passageiro), com direito a enquadramentos idênticos e até uma inesperada participação especial, Alien: Romulus é um filme que poderá ser apreciado tranquilamente por quem nunca assistiu a um capítulo sequer da série cinematográfica, pois Fede Alvarez é sagaz o bastante para contar uma história independente e que se resolve em si mesma, visto que também não demonstra muito interesse em pavimentar o caminho para uma vindoura sequência, mas isso é assunto para depois. Iniciando de forma quase idêntica ao longa que iniciou a franquia (até o design da fonte original foi preservado), Alvarez faz questão de prestar reverência num primeiro momento, mas não se furta de deixar sua própria assinatura.

Nesse ponto, o design de produção ajuda a refletir a claustrofobia provocada por Alien: O Oitavo Passageiro (sua maior inspiração), mas vai na contramão em termos de cores e até mesmo na tecnologia dos equipamentos. Os ambientes bem iluminados da Nostromo e até da Prometheus dão lugar a corredores sujos e escuros, ambientes perfeitos para Fede Alvarez, que explora o interior da Romulus para extrair o horror com base no desconhecido. Afinal, Rain e sua trupe não fazem ideia do que pode estar se escondendo nos cantos obscuros da instalação. Se a tecnologia retrô é mais um elo direto com o filme de 1979, é também um distanciamento da tecnologia de ponta manejada por David em Prometheus. Não que a produção estrelada por Michael Fassbender e Noomi Rapace tenha sido esquecida, pois o ótimo tema composto por Marc Streitenfeld pode ser ouvido durante uma citação direta.

Finalmente cumprindo a promessa de voltar às origens, Romulus é, facilmente, o mais aterrorizante capítulo da franquia desde seu início. Além do clima pesado, que impossibilita o espectador de relaxar por um segundo sequer, o diretor Fede Alvarez usa praticamente todas os elementos que o cânone lhe coloca à disposição e ainda os aprimora em alguns aspectos. A tradicional “eclosão” do filhote alienígena, por exemplo, ganha um detalhamento maior e, consequentemente, mais forte, graças a um dispositivo de Raio-X, permitindo-nos detectar o movimento da criatura alienígena no tórax da vítima. Da mesma forma, o ácido expelido pelo Alien é aproveitado de uma forma inédita, resultando numa sequência engenhosa e complexa que representa o ponto alto não apenas do filme, mas também de toda a franquia: o que começa com a tensão provocada pela aproximação do monstro, tem sequência com um momento que deixaria James Cameron orgulhoso e culmina num instante que alia beleza a angústia, quando a ausência momentânea de gravidade obriga os personagens a desviarem do ácido em flutuação. Tudo isso banhado numa luz vermelha que só amplifica a gravidade da situação.

Aliás, falando nisso, o diretor de fotografia Galo Olivares (estreante na função) adota uma paleta dessaturada, sem vida, que vai ao encontro do choque de realidade experimentado pelos auspiciosos personagens e, de quebra, corrobora o trabalho do designer de produção Naaman Marshall (Mortal Kombat). Outro destaque técnico do projeto é a trilha sonora de Benjamin Wallfisch (The Flash), pegando emprestado os temas clássicos de Jerry Goldsmith e alternando com faixas eletrônicas graves que acentuam o desespero, mas sem cometer o erro de sublinhar os acontecimentos da trama.

E como é bom ver um filme de terror que não se apega a clichês e convenções! Afinal, Fede Alvarez não é o tipo de cineasta partidário dos acordes súbitos a fim de tentar tirar o espectador da poltrona e nem investe em artifícios baratos e batidos como vultos, lanternas quebradas e/ou movimentos de câmera. É preciso reconhecer, todavia, exageros pontuais no aproveitamento do segundo plano (momentos em que algo se mexe atrás de alguém, misturando-se ao cenário desfocado) e na utilização da silhueta icônica do Alien, quase sempre surgindo com alguma luz piscando e acordes suntuosos. Outro ponto negativo é o flerte com o melodrama a cada vez que a trama faz uma pausa para tentar se aprofundar num relacionamento, seja o de Rain e Andy ou de Tyler com... qualquer outro personagem.

Em ascensão após despontar como Priscilla Presley (no filme homônimo que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza) e meses depois de brilhar como uma repórter novata no ótimo Guerra Civil, Cailee Spaeny se esforça para transformar Rain numa figura interessante e até se beneficia da química que nutre com David Jonsson, outro nome que estourou recentemente (na boa comédia romântica Rye Lane). Spaeny se sai melhor quando ilustra a vulnerabilidade de Rain, enfrentando imensa dificuldade para se provar como heroína de ação. Afinal, o físico esmirrado e a aparência assustada não ajudam num tipo de papel já imortalizado por ninguém menos que Sigourney Weaver. Não que ela comprometa o resultado, porém o filme ganha sempre que Rain não precisa fazer demonstrações de força.

Jonsson, por sua vez, brilha intensamente até mesmo em função das demandas de Andy, androide inicialmente amigável, mas que passa por uma mudança crucial. Para comprovar o talento do ator britânico, basta observar como seus olhos tristes e melancólicos sugerem uma fragilidade que, posteriormente, dá lugar a um ar blasé e frio que transforma o robô numa figura imediatamente ameaçadora.

E passa longe de ser uma coincidência que Andy se torne mais frio e calculista a partir do momento em que sua diretriz ganha uma atualização para se adequar aos interesses da corporação que o fabricou. Jogando luz sobre personagens pobres, membros da classe operária, o roteiro reflete um discurso muito comum em Hollywood sobre a vilanização das grandes corporações. Sem qualquer compromisso com a sutileza, Alvarez e Sayagues, constroem um universo onde a Wayland-Yutani e seus altos funcionários (humanos ou não) só se preocupam com lucros e o aumento da própria riqueza, travestindo-se de bons samaritanos. Exploram o proletariado para manter os privilégios da minoria abastada. Por isso, quando um empregado da Wayland não hesita em sacrificar uma vida humana para preservar os resultados da missão, não se surpreenda. Não há humanidade no mundo corporativo.

Isso, por si só, já seria o bastante para mostrar que Alien: Romulus, além de eficiente entretenimento escapista, também tem conteúdo, oferecendo farto material para reflexão. Sim, é possível encarar a produção apenas como uma fuga da realidade, mas aqueles que buscam um “algo a mais” nos filmes, encontrarão uma história moderna, que não tem medo de se posicionar e apresenta um discurso condizente com a realidade da Indústria.

Prova da coragem de um cineasta sul-americano que soube conquistar seu espaço num âmbito historicamente hostil aos novos talentos e tomou para si a hercúlea tarefa de recolocar nos trilhos uma das franquias seminais do Cinema. Como alguém no auge de seus talentos e com energia suficiente para brigar por seus planos, que Fede Alvarez tenha vida longa em Hollywood.


NOTA 8

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