"Air - A História Por Trás do Logo" traz Ben Affleck de volta à cadeira de diretor
Houve um momento na História, mais precisamente na metade da década de 80 em que a Nike não era uma gigante do mercado de calçados. Pior, estava léguas atrás das líderes Converse e Adidas, esforçando-se para patrocinar atletas medíocres enquanto os melhores simplesmente a ignoravam. A falta de prestígio era tamanha (havia quem a considerasse uma marca de quinta categoria), que a direção da empresa já cogitava fechar a divisão dedicada ao basquete, justamente onde trabalhava Sonny Vaccaro (Matt Damon), o herói da história. É ele quem tem a ideia de usar todo o orçamento para fisgar apenas um jogador, contrariando o modus operandi de seus superiores que sem a menor cerimônia o acusam de apostar com o futuro da Nike.
Essa disposição ao risco, aliás, é o máximo que o filme decide nos mostrar sobre a natureza de Sonny, que ganha na figura rechonchuda de Matt Damon os traços de homem comum e boa praça cujo talento nem sempre é reconhecido, ou seja, o tipo de papel que o alçou à fama e envolve grande parte de sua filmografia até hoje. É praticamente impossível resistir ao carisma do sujeito, possuidor de uma determinação que contagia até o mais conservador dos executivos, como o CEO interpretado por Ben Affleck, voltando a acumular as funções de ator e diretor.
Como ator, é possível fazer todo o tipo de crítica a ele, especialmente em sua fase mais prolífica, antes de assumir seu lado diretor, esse sim irrepreensível. Atração Perigosa já havia dado indícios do talento de Affleck, mas foi com Argo que ele se consolidou na indústria, mesmo sendo escandalosamente boicotado pela mesma Academia que o premiou pelo roteiro de Gênio Indomável (ao lado do velho amigo Matt Damon, vale lembrar). Vencedor do Oscar de Melhor Filme, Argo aparentemente se dirigiu sozinho, como bem apontou Seth MacFarlane, o anfitrião daquela noite. Perseguições à parte, foi justamente quando o ex-Demolidor começou a acumular trabalhos atrás das câmeras que suas performances evoluíram exponencialmente, angariando elogios antes impensáveis por filmes igualmente surpreendentes como Garota Exemplar, O Caminho de Volta e Bar Doce Lar (este último, inclusive, lhe rendeu uma indicação ao prêmio do Sindicato de Atores).
O que o Affleck cineasta faz em Air é mais do que comprovar sua versatilidade, é fazer de uma produção talhada para o melodrama mecânico uma história envolvente e repleta de personalidade, pois o roteiro do novato Alex Convery tinha tudo para gerar um daqueles filmes esportivos quadrados e abarrotados de cacoetes. Mas Affleck usa seu talento para trazer dinamismo e leveza a uma narrativa basicamente dominada por diálogos (expositivos em 75% do tempo). Claro que ele se beneficia de um elenco talentoso e com experiência em comédias, como Jason Bateman e Chris Tucker, o que facilita na hora de disparar as tiradas mais espirituosas do texto. Falando nisso, o script faz questão de saciar algumas curiosidades, revelando a inusitada origem do slogan "Just Do It" ou o significado da famosa logomarca da Nike, além de dar algumas alfinetadas na concorrência (espere para descobrir o apelido dado à Puma ou o que os funcionários pensam da Adidas).
Sempre que Air está prestes a se entregar ao tipo de narrativa em que os personagens se transformam em instrumentos do roteiro, trocando informações com o intuito de mastigarem a história ao público ao invés de agirem como pessoas de carne e osso, Affleck surge para explorar o magnetismo de seus colegas de elenco, especialmente Damon, com quem divide a maioria de suas cenas. A dupla, uma atração à parte em função da longa parceria/amizade fora das telas, justifica o presumível entrosamento e dá uma dimensão dramática inesperada ao filme, mesmo que por meio de dolorosas e artificiais exposições.
Diante de um elenco homogêneo e tão afiado, é difícil apontar um destaque, mas se há um, este se chama Viola Davis, escolhida a dedo pelo próprio Michael Jordan para interpretar Deloris Jordan, sua mãe. Extraordinária como sempre, ela dá vazão à aura mítica que o jogador ajudou a construir ao redor da mulher, composta por Davis como uma pessoa de semblante sempre rígido, mas que jamais deixa de convencer como alguém genuinamente preocupada com o futuro do filho. Aliás, Sonny e Deloris são os únicos que realmente acreditam no potencial de Michael, o que gera uma tensão palpável nas negociações, com o experiente olheiro tendo de ceder às exigências de alguém que tem plena noção do que o filho será capaz de conquistar.
O que deverá dividir o público, porém, é a ambientação, que ao invés de simplesmente contextualizar a história, promove uma overdose de referências, principalmente através da trilha sonora, aparentemente travada numa daquelas listas de reprodução de sucessos da década de 80. O exagero é injustificável, pois na maior parte do tempo o filme é competente ao emular a estética da época, seja pela fotografia granulada (mas que soa anacrônica em virtude da razão de aspecto mais ampla), passando pelos figurinos divertidamente extravagantes até chegar em elementos que farão a alegria dos nostálgicos, com direito a televisores, penteados, computadores e revistas populares naquele momento.
Culminando num clímax que subverte a convenção do final edificante tão comum em filmes como este, Air – A História Por Trás do Logo é uma experiência agradável e cativante que consegue contornar as limitações de seu roteiro graças à direção de Ben Affleck, retomando sua carreira de cineasta após sete anos dedicados exclusivamente à atuação.
NOTA 7
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